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Jun13
Futebol não é o ópio do povo
Pedro Figueiredo
Não deixa de ser irónico que um país onde o futebol é amado e adorado, único com cinco títulos mundiais e das equipas que mais costumam encantar o mundo, depois da Argentina, se tenha revoltado por causa do dinheiro gasto para receber a Taça das Confederações, a decorrer, e o Mundial de 2014.
O descontentamento provocado pela construção de um complexo imobiliário numa praça defendida pela população na Turquia virou-se, no Brasil, no aumento das tarifas dos autocarros. A emergência de uma classe média mais instruída pode estar na base da explicação para tais comportamentos. Pode não ter renegado o desporto-rei como forma de distracção e veículo de paixão clubística - autênticas tribos no seu sentido mais antropológico -, mas percebeu que tal como a religião, o futebol não pode ser uma espécie de ópio do povo. Como diz uma amiga com quem discuti a questão, isto tem marximo all over.
Já com a grande parte dos estádios que vão servir de casa ao Mundial do próximo ano construídos e prontos depois de muitas insistências da FIFA devido aos atrasos, as críticas da população viraram-se para as obras sumptuosas que estavam a ser feitas em formas de estádios de futebol.
Quando são as pessoas a gritar na rua que não querem mais corrupção, isso já não é demagogia. O Brasil pode representar três quintos da economia sul-americana, mas este Mundial já está a ser o mais caro da história do futebol e as obras, pelos vistos, ainda não terminaram. As facturas estão a chegar e as pessoas sentiram.
Entretanto, Neymar vai dando um espectáculo nos relvados para o mundo inteiro, com pessoas à porta a incendiar veículos da imprensa, como crítica à forma como têm sido cobertos os acontecimentos no país.
Pelé, o nome brasileiro incontornável do futebol mundial, fez perceber mais uma vez que a sua linguagem era mesmo apenas e só a da bola. Li num tweet brasileiro que depois do comentário de Pelé sobre as manifestações: «Vamos apoiar a seleção nacional. Vamos esquecer a confusão, esquecer os protestos», que só não podia faltar o Master Card. Polga, que entrevistei recentemente, disse-me que as pessoas têm todo o direito de se manifestarem, mas que deviam pensar na imagem que estavam a dar do Brasil para o exterior.
Carlos Drummond de Andrade, que deu o prazer ao futebol de dedicar umas prosas, como só ele tinha o dom de escrever, em homenagem ao futebol, disse uma vez: «A minha vontade é forte, mas a minha disposição de obedecer-lhe é fraca.» Não creio que estivesse a referir-se aos brasileiros. Não aos que estão na rua a impedir que se propague o caos, mas que o Governo ouça que assim não dá mais. Afinal de contas, por que razão as insígnias do Brasil serão Ordem e Progresso?