CDS-PP, o partido de tudo
O XIX Governo Constitucional, que integra dois partidos, está quase a celebrar o seu 2.º aniversário. E, ao fim deste tempo, é cada vez mais visível não apenas a nulidade que o segundo partido do Governo representa, mas, acima de tudo, o CDS-PP revela de forma clara a contradição factual entre aquilo que o partido chama a si, quando na oposição, face àquilo que faz, quando no Governo.
Exemplos concretos? Não pretendendo ser exaustivo, aqui ficam alguns.
O CDS-PP não é o partido da lavoura.
Tendo ficado com a tutela da Agricultura (num mega-ministério de difícil gestão, diga-se), o CDS-PP e Assunção Cristas tiveram como "momentos altos" a introdução de uma taxa de saúde e segurança alimentar e a eliminação das gravatas no ministério. Enquanto isto, a produção agrícola continuou (e continua) a deparar-se com os efeitos do aumento do custos de produção, os pequenos agricultores lutam pela sobrevivência e os jovens continuam sem ver oportunidades na lavoura.
Enquanto esteve na oposição, o CDS-PP não se cansou de lançar acusações (na sua larga maioria, baseadas no mais puro desconhecimento) sobre o PRODER. Chegados ao Governo, o marasmo instalou-se no principal mecanismo de apoio à agricultura em Portugal e os bons níveis de execução resultam, na sua larga maioria, de projetos aprovados pelo executivo anterior.
Por estas e por outras, o CDS-PP não tem a mais pequena legitimidade para se auto-proclamar como o "partido da lavoura".
O CDS-PP não é o partido da família.
Um partido que vota, e aplaude na sua votação, um documento que determina um brutal corte no Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, não é um partido que defende a família, especialmente as famílias mais carenciadas. Um partido que resolve inventar um "visto-família" para as deliberações em Conselho de Ministros, que como todos sabemos têm sido tão "family friend" (e.g., a proposta de aumento generalizado do horário de trabalho em meia hora), não pode, apenas por isso, anunciar-se como defensor da família. Um partido que subscreveu o violento aumento das taxas moderadoras, não é, definitivamente, um partido que apoie as famílias.
Face ao exposto, a que acrescem outras e diversas dificuldades levantadas pela sua co-governação à generalidade das famílias portuguesas, o CDS-PP é, em bom rigor, um partido que levanta obstáculos à família, ao invés de um partido que as defende.
O CDS-PP não é o partido dos pensionistas.
A enorme cruzada do CDS-PP, enquanto oposição, em defesa dos pensionistas granjeou-lhe a tutela do Ministério da Solidariedade e da Segurança Social. No entanto, a prática do agora ministro Pedro Mota Soares tem muito poucas parecenças com aquilo que o seu partido defendia no passado.
O brutal corte orçamental do Complemento Solidário para Idosos (corte esse com o qual Portas se sentiu perfeitamente confortável, não sentindo a necessidade de vir falar em quaisquer "fronteiras" intransponíveis, exceto excecionalmente), a que se somam as mais recentes taxas e cortes sobre todos os pensionistas (com o lamentável espetáculo associado à sua aprovação em conselho de ministros) e uma deterioração generalizada dos mecanismos e serviços de apoio à terceira idade, vêm destruir liminarmente qualquer aspiração do CDS-PP a tornar-se o grande defensor dos idosos em Portugal.
O CDS-PP não é o partido do contribuinte.
O CDS-PP chegou ao Governo e, tendo sob sua tutela a Secretaria de Estado dos Assuntos Fiscais, não se incomodou minimamente em lançar novas e mais agressivas taxas de retenção na fonte de IRS, em reformular os escalões de IRS (reduzindo a progressividade deste imposto), em diminuir as deduções fiscais, entre outras bonitas alterações que nos trouxeram à maior carga fiscal de que há memória em Portugal.
A verdade é que, se há coisa que este CDS-PP não é, e julgo que aqui não há mesmo quaisquer dúvidas, é defensor do contribuinte.
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Chegados aqui, ao fim de quase dois anos de co-governação do CDS-PP, Paulo Portas e o seu partido revelam a sua verdadeira natureza, para espanto dos poucos que ainda tinham qualquer tipo de crença ou fé na alegada e tão propalada bondade das suas políticas.
Recorrendo a um slogan de campanha deste partido, este é o momento para se assumirem, de uma vez por todas. Para dizerem ao que vêm, de forma clara e sem mensagens dúbias.
Basear a sua intervenção política, quase por inteiro, no malabarismo argumentativo, na falta de memória alheia, na ausência de espírito crítico de alguns eleitores, não é apenas um insulto à inteligência coletiva: é, também e acima de tudo, um insulto à nobre arte que deve ser (e que tem que ser) a política.
(Imagem: agência Lusa)