Ideal pardacento
Sendo membro da sociedade privilegiada tive acesso a um computador ainda em criança. Um daqueles pesados, antigos. E eram lentos a ligarem-se. Na secretária onde estava o aparelho pré-histórico havia um mapa da Europa, verde e azul, com grandes cidades e grandes países. Na ausência de algo mais colorido na sala, uma criança aborrecida olhava para a coisa cartógrafa enquanto a maquineta não se acendia. E via os rios, os nomes engraçados (qual era o latino que não se ria a pronunciar a capital da Islândia pela 1ª vez?), as fronteiras e os burgos que elas encerravam. E comecei a decorar aquele mapa. À medida que me iam explicando o significado, a história e cultura, a importância , mais aquele mapa ia adquirindo um valor magno e reverente. Na escola ensinavam-nos o processo europeu, as bandeiras, a moeda nova que íamos ter. Eram todas aquelas pátrias e o alegado espírito de união que as ligava. Era solidariedade, fraternidade, futurismo. Era a Europa. E, desde aí, sempre esse termo teve um significado positivo.
A Grécia tem mais de 55% de desemprego jovem. Os jovens espanhóis (sobre)vivem com uma taxa de 53,4%. Na Eslovénia e na Polónia quase 60% dos assalariados com menos de 25 anos trabalham com contratos a prazo. A percentagem de jovens que estão desempregados há mais de um ano ultrapassa os 51% na Irlanda e na Eslováquia. Em Portugal, num espaço de 10 anos, a taxa de desemprego entre os 15 e os 25 anos aumentou em 23%. Observar os dados do Eurostat ou da OCDE é uma experiência lancinante.
A minha geração, aquela que nasceu no final do século sangrento, ainda acredita na Europa. Dito isto, ela é a mais desiludida com o ideal europeu, que prometia desenvolvimento e humanismo, e revelou-se mesquinho e cinzento. E a geração posterior à minha já começa a notar isso. Começa a notar a contradição entre o mundo europeu, culto e aliciante nos manuais escolares, e o mundo europeu da realidade dos progenitores, que nada concretiza, tudo impede. Quando alguém sugere ou reflete sobre planos para resolver este marasmo psicológico e limitador das mentes, é de imediato ignorado e etiquetado de 'irresponsável', 'gastador', 'demagógico' - enfim, utópico. Consta que é utopia querer outra coisa nesta Europa. Consta que tem que ser assim, que não há alternativa, que há que esquecer a racionalidade nestes tempos onde jovens adultos abandonam as suas nacionalidades em busca dum outro futuro. Um futuro que aqui, na Europa da estagnação permanente, é obscuro e limitado, restringido ao curto prazo. É esta a mentalidade atual, o pensamento baseia-se nesta premissa. Porque no curto prazo ainda se pode especular sobre uma (pequena) realização, tudo é visível, a névoa é diminuta. Mas não há longo prazo, pois para tal existir seria necessário o cultivo da esperança. E essa vai-se esfumando.
Há que esquecer o desenvolvimento, ignorar a economia, a educação é cara, não dá, fica para próxima geração, sim?
A União desagrega-se ao mesmo tempo que despreza a sua população jovem. Esquecem que será ela que no futuro irá gerir os destinos e o passado do idoso continente. Não pensam, não gastam tempo com isso, estamos em tempos de poupança e os cérebros bruxelenses são os mais parcimoniosos.
O espírito nacionalista renasceu na Europa que pretendia impedi-lo. Como uma fénix amargurada, surge nos cafés dos subúrbios ou nas pequenas aldeias das raias, no mundo que já não acredita. Grupos xenófobos, racistas e tenebrosos, travestidos de agentes da democracia, propagandeiam causas e consequências do projeto europeu, soluções fáceis e bodes expiatórios E os jovens, os do curto prazo, precários e desesperados, acreditam, pensam pouco (quem tem fome, tem pensamento?) e acabam apoiando tais teses.
Se nada for feito o futuro será mais arcaico do que o passado. A Europa da Solidariedade está em perigo de se transfigurar na Europa do Ódio e do Ressentimento.