Santa KIaus Was In Town. He Said Stuff.
Há gente que teima em insultar a nossa inteligência.
Klaus Regling, o director executivo do Fundo Europeu de Estabilização Financeira (FEEF) e do Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE), esteve na terça-feira passada numa conferência em Lisboa a dar um ar de sua graça. Regling é um economista que foi funcionário do FMI entre 1975 a 1980 e entre 1985 a 1991, tendo também trabalhado no Ministério das Finanças alemão e na associação de bancos alemães, entre outros postos. Era até 2008 o director geral dos assuntos económicos e financeiros da Comissão Europeia. O funcionário-modelo. Na véspera do seu passeiozinho ao mais obediente dos PIGS, concedeu uma entrevista ao jornal Público onde faz umas quantas reflexões interessantes. Resumo-as em 3 temas:
- 'Está tudo a correr lindamente'
- 'A Ciência Económica para mim não tem limites'
- 'Podem protestar mas não sejam pobres e mal agradecidos, estamos a ser muito solidários'
Sigamos para o segundo ponto: 'A Ciência Económica para mim não tem limites' - O Dr. Klaus, director de duas das maiores instituições financeiras mundiais, com um grande currículo e uma larga experiência, parece ser dotado dum excepcional sentido de propaganda e petulância. Ora vejam: "A experiência na Europa é muito clara: o crescimento só volta e o desemprego só baixa depois da realização de reformas estruturais suficientes. Infelizmente, isso demora algum tempo." Mas qual experiência europeia? A da Irlanda do desemprego galopante ou a da Grécia da depressão infindável? Quantas vezes e em quantos países é que foram aplicadas 'reformas estruturais' (seja lá o que raio isso seja - a reforma das gravatas da Cristas conta?) numa situação de cataclismo social, recessão interna e estagnação continental? E sem moeda própria? E sem um banco central funcional? Mas esta gente acha que nascemos ontem? Klaus retruca: "Quanto mais flexíveis forem as economias — o que significa que quanto mais reformas estruturais forem realizadas — menos negativo será o impacto do ajustamento no emprego." E dados para isto? Estudos? Ideias? Ou já estamos em modo 'diz que sim, diz que sim'? E o que são 'economias flexíveis'? São economias que crescem 12% num ano, para depois no seguinte terem uma contracção de 8% e no ano posterior um crescimento de 14%? Economias que funcionam só com procuras e ofertas elásticas? Economias com clusters da plasticina e da borracha? What? Ou é ter leis laborais mais flexíveis do que na China? É que isso já está em andamento caro Klaus, pode dormir descansado. Consta-lhe todavia que muitos portugueses não dormem dessa forma e para esses tem uma palavra de consolação: "Sei que há protestos e percebo o descontentamento, mas a minha resposta é que a recessão e a austeridade não vão durar sempre", diz o Klaus. Hm, não vamos estar austeros para sempre. Hm, as recessões económicas não são eternas. Está bem, assim já fico mais descansado, nunca tal me tinha ocorrido, estava eu para aqui ralado com um tecido social e económico em ebulição para quê? Afinal, prontus, lixa-se uma geração, mas outras virão não é? Thanks Klaus. Cheira-me a Nobel.
Terceiro ponto: 'Podem protestar mas não sejam pobres e mal agradecidos, estamos a ser muito solidários' - Klaus Regling tomou nota dos protestos, tomou nota de que há certas mentes que não estão a gostar do processo de empobrecimento generalizado, que acham que poderia haver outras formas de lidar com a situação actual, que crêem que as 'reformas', as 'poupanças', os 'reperfilamentos' e as 'refundações' - o 'ajustamento', estará a criar um potencial cataclismo social. "Mas lembre-se que o que a Europa está a fazer com o programa e o financiamento do FEEF torna o ajustamento mais fácil para a população. Eventuais alternativas seriam muito piores.", relembra Klaus. "Mas há solidariedade! Sem o dinheiro dos parceiros europeus e do FMI, o ajustamento seria muito mais duro.", sublinha Klaus. Declarações como estas até podem reflectir a mais pura das verdades financeiras, mas qual é o seu propósito? Relembrarmo-nos que temos que ser muito dóceis e corteses? Recordarmos-nos de que devemos estar todos mui gratos pelo favorzinho que nos estão a fazer? É isso? Termos um governo eleito a doutrinar este pensamento já é uma vergonha diária. Mas vir agora aqui o Dr. Klaus, um burocrata sem qualquer legitimidade eleitoral, propagandear a tese de que devemos saudar a nobre vontade das gentes do 1º mundo que nos estendem a mão num momento de bondade é duma lata descomunal. Klaus Regling é um funcionário (isso, funcionário, não esquecer) que, por nomeação, dirige uma instituição ligada à União Europeia da qual Portugal, a Grécia e a Irlanda são membros de pleno direito. Não somos um país terceiro ao qual a UE, num momento de solidariedade fraternal, decidiu emprestar uns trocos. Somos um país que, em conjunto com outros 26, faz parte do projecto europeu, em igual posição com todos os outros membros, que contribui para o orçamento das instituições comunitárias, que paga o salário a funcionários como o Sr. Regling. 'Solidariedade' não é fazer empréstimos, que dão um jeitaço a certos países, mas sim perceber que a receita para a resolução do problema está completamente errada e que pensamentos do 'tem que ser, vão sofrer, mas olha, podia ser pior hein?" são uma parte crucial desse problema.
Klaus, o funcionário sem legitimidade democrática, acha que tudo corre conforme o planeado, que a economia é mesmo assim e que devemos estar agradecidos. Enquanto esta ideologia estiver em vigor nas instâncias europeias não há alargamento dos prazos que nos valha. Nem a nós nem à União. A Europa está a ser gerida e dilacerada por gente sem a capacidade de pensar. Preocupem-se.