Cravos na rua
Estive na manifestação do 15 de Setembro. Fui desde a Praça José Fontana até à Praça de Espanha. Tirei a foto acima na rua que liga a José Fontana ao Saldanha. Estava apinhada de gente. Apanhei o cravo e guardei-o. Ainda o tenho, numa caixa algures, cheia de pó, para exibir a filhos e netos. Depois de ter salvo o cravo abandonado, uma senhora, creio eu ligada ao movimento organizador daquela massa humana, perguntou-me se eu não me importava de levar um passador de metal e uma colher de pau e ir manifestação fora fazendo barulho com o atrito de ambos. Também me perguntou se eu era 'activista'. Não sabia o que lhe responder. Sorri-lhe e disse-lhe que não o era mas que aceitava os utensílios culinários travestidos de utensílios democráticos. Fui batendo o passador e a colher ao ritmo das palavras d'ordem e músicas de protesto. Já na entrada da Avenida da República quando se começou a verificar a dimensão colossal do protesto, notei que tinha uns miúdos ao meu lado que me estavam a seguir fascinados com a sonoridade dos meus instrumentos de cozinha/contestação. Perguntei-lhes se queriam bater no passador protestador. Ficaram com um ar de felicidade pura. E foram andando ao meu lado, acompanhados pelos avós, fazendo barulho, alegres e despreocupados. Entrámos na Avenida de Berna e a manifestação já era histórica. Ao passarmos a Gulbenkian, os funcionários da fundação com a classificação inferior à da Fundação Social Democrata da Madeira, saíram para ver a manifestação passar. Alguns aplaudiram a nossa chegada à Praça de Espanha. Praça essa que estava inimaginável, com pessoas por todo o metro quadrado onde uma pessoa podia estar. Não sobrava espaço na rotunda do arco.
Estive na manifestação do 15 de Setembro. Infelizmente as razões para ir à manifestação do 2 de Março são as mesmas. Continuamos a ter um governo que não compreende o pais que governa, que acredita em mitos económicos à muito desmacarados, que assume uma ideologia radical de destruição do maior activo trazido pela democracia a Portugal: o aumento do nível de vida. Foi aumentado acima das nossas possibilidades dizem eles. Vivemos demasiado bem, agora há que cortar cega e desalmadamente, afirmam eles. Tem que ser. Não há alternativa. Quem clama por uma alternativa é irresponsável. Sendo que os mais irresponsáveis são aqueles que se manifestam, protestam, reclamam por uma vida melhor, pelos seus direitos, por justiça social. São irresponsáveis esses. Não representam a população, diz o senhor primeiro-ministro, conhecedor máximo da populaça. Ele conhece a rua. Ele defende a honra e a moralidade. 'Salvador da Pátria'. Os outros querem regabofe.
Nasci depois do 25 de Abril. Não sei o que é Portugal sem Serviço Nacional de Saúde. É-me absolutamente estranha uma realidade nacional onde a escola pública não exista. É-me difícil imaginar uma Segurança Social que se dedique exclusivamente aos mais pobres dos pobres. Somente há ano meio percebi que a existência do Ministério da Cultura não era algo inquestionável numa sociedade moderna e esclarecida.
Estarei na manifestação do 2 de Março. Porque não me revejo na sádica ausência de inteligência que reina nas mentes decisoras dos nossos destinos. Porque me recuso a aceitar o desespero a que nos querem condenar. Porque enquanto cidadão da República Portuguesa, da democracia portuguesa, é meu direito e dever ir gritar contra a cegueira, o logro e a intrujice de quem diz ser o nosso legitimo representante. Não o é.
Até sábado.