Povo de Deus
Freguesia da Cunha Baixa, concelho de Mangualde.
Numa noite de inverno, a igreja restaurada, o brilho e a claridade. A gente da terra, sentada. O padre da paróquia não tinha 30 anos. Vestindo um fato comum com gravata colorida, apresentou um espectáculo de coros na sua pequena igreja.
O primeiro coro formou-se em frente ao altar, caras nervosas, peles curtidas por anos de trabalho ao sol, sacrifício, determinação. Sorriem para algumas caras bonitas, maquilhadas, peles resplandecentes de frescura e de urbanidade.
Ouço cantar espirituais negros, peças do cancioneiro popular português, Bach.
Bach?
Bach.
Não era o coro da Gulbenkian, era mais bonito do que o coro da Gulbenkian. O padre entretanto lá no meio, assumindo o seu naipe barítono, igual aos outros, obedecendo a um maestro que faz das tripas coração para que saiam sons ordenados daquelas vozes ignaras.
Esta gente cujo rosto
Às vezes luminoso
E outras vezes tosco
Ora me lembra escravos
Ora me lembra reis
(Esclarece-me Sophia)
Como este, haverá tantos outros bons exemplos de homens da igreja cumprindo o desígnio de Cristo. No meio dos outros, sem se ostentar, sem o relevo, sem a diferença, aceitando e acolhendo. Integrando, apostando na educação das pessoas, no evoluir da sua qualidade de vida.
E em frente desta gente
(…)
Meu canto se renova
E recomeça a busca
De um país liberto
De uma vida limpa
E de um país justo
Não posso aceitar que a igreja católica envolva o povo na escuridão. Só lhes cumpre ajudar, e não tolher a vida das pessoas.
Se este jovem padre virá a ser Papa obedecendo não sei a que destino, não me interessa, não tenho nada a ver com isso. Não professo a fé de mármore e de talha dourada.
Acredito na virtude da espiritualidade, no conforto da palavra, no coração plural e polifónico. Sem mais.