Maria Luís Albuquerque, Secretária de Estado do Tesouro deu uma entrevista ao Jornal de Negócios no dia a seguir ao 'regresso aos mercados'. Foi uma longa entrevista, onde foram abordados vários assuntos, incluindo a questão do prolongamento dos prazos dos empréstimos do MEEF (Mecanismo Europeu de Estabilidade Financeira) e do FEEF (Fundo Europeu de Estabilidade Financeira) ao Estado Português.
E foi criativa:
Como é que explica que não estamos perante uma reestruturação da dívida ou um novo programa?
(...) Reestruturação pressupõe alteração de condições. A alteração de maturidades é uma mudança de condições. Na pureza dos termos técnicos, é uma reestruturação. Mas como a expressão ‘reestruturação’ passou a ter uma conotação negativa, que implica perda para o investidor, é importante salientar que não é disso que se trata. Porque os nossos credores não vão perder nada. Continuamos a pagar. Aliás, um credor até gosta que a dívida dure muito tempo porque vai recebendo juros, desde que não tenha dúvidas que vai receber o capital no final do prazo. É uma solução pacífica que vamos fazer com os credores privados, através de operações de troca de dívida, e com os oficiais se assim for decidido.
Ou seja, permitam-me:
O prolongamento dos prazos tem as características duma restruturação? Tem.
Altera os prazos de pagamento da divida? Sim.
Afecta credores? Sim.
Modifica o pagamento dos empréstimos do Estado Português? Sim.
É uma reestruturação? Não.
Porquê? Porque não gostamos da conotação da palavra.
Se eu fosse um investidor financeiro, um ser dos 'mercados', não acharia este pensamento muito inteligente. Concluiria aliás que estaríamos talvez perante um governo de pouca confiança, com pouca credibilidade.
A Secretária de Estado do Tesouro da República Portuguesa acha que prolongar prazos de empréstimos não é uma reestruturação. Ignora certamente que cerca de 68% das reestruturações de divida pública feitas nos últimos 37 anos limitaram-se exclusivamente a alterações na maturidade dos empréstimos (
Sovereign Defaults: The Price of Haircuts). Acha que esta acção do Estado Português é coisa que agradaria a qualquer credor, em que toda a gente fica satisfeita, um win-win.
E ficamos nisto. O ministro das Finanças disse outrora que não mentia, não enganava, não ludibriava.
Parece que o governo a que pertence apenas aldraba.
(recomenda-se também vivamente a leitura da
crónica no jornal I do Pedro Nuno Santos, que me chegou às mãos via o
Nuno Oliveira)
P.S. - Queria que a minha primeira posta neste blogue fosse algo mais desenvolvido, mas face a esta beleza linguística não resisti. Aproveito para agradecer o convite que me foi endereçado pelos agora meus pares de escrita, todos muito mais brilhantes do que eu. É claramente uma honra ser um dos 'fortes' e procurarei estar à altura da toxicidade da casa.