Tecido de malha grossa
De repente, deixou-se de ouvir falar em "inovação" e passou a bater-se na tecla da revitalização (gosto particularmente mais da expressão "sacudidela", neste caso) do tecido empresarial português. Algo que me fez voltar a dar uma vista de olhos na biografia de Alfredo da Silva. O homem que fez o Barreiro mais do que triplicar a população local entre 1900 e 1930, quando Lisboa no mesmo período não chegou sequer a duplicar em termos demográficos.
É claro que Alfredo da Silva pode ser considerado uma excepção. Mas houve outras excepções em Portugal, como Calouste Gulbenkian, obra da qual sinto um enorme orgulho por estar em Portugal. Quase tanto orgulho como tenho no hino e na bandeira nacionais, sem os arrepios. E esta é a parte em que me podem acusar de fascista.
Mas há o reverso da medalha. E voltando ao exemplo de Alfredo da Silva e da sua CUF, é curioso perceber o que a unidade fabril do Barreiro colocava à disposição dos seus funcionários... em 1945 (para se perceber o enquadramento histórico): um posto médico, campo de jogos, um cine-teatro, dispensa económica, vários refeitórios económicos para os trabalhadores, e um hospital, que já estava planeado no ano da sua morte (1942), mas só acabou sendo concretizado em 1945. Para não falar no facto dos salários pagos pela empresa estarem bem acima da média nacional.
Avançamos 68 anos e em 2013 analisamos o cenário. Pergunto-me que empresas têm a mesma consciência social à luz de um mercado de trabalho cada vez mais marcado pelos recibos verdes e pela precariedade. Esta é a parte em que me podem acusar de comunista.
Passou-me há dias pelos olhos a notícia de que a Google ganha 22 mil milhões de dólares por ano o que, fazendo as contas, dá qualquer coisa como 700 dólares por segundo. Num fórum de debate sobre o tema, alguém dizia que colocando de lado a subjectividade de terem ou não legitimidade para facturar nesta ordem de grandeza, a verdade é que os seus responsáveis sabem gerir uma empresa. E de repente lembrei-me de uma reportagem do 60 Minutes sobre as condições que a Google dá aos seus funcionários. Imagine-se o despautério:
The Google campus in Mountain View, Calif., is considered the good life for employees. The company offers comforts, privileges and perks to its employees that workers at most other companies can only envy. But what may seem like luxuries are actually good business and Google can prove that because the company studies everything it does.
Liga dos Campeões? O que era a CUF, então, no seu tempo?
Regressando ao tópico, o curioso é ver as mesmas pessoas que batem na tecla da revitalização do tecido empresarial como solução milagrosa para ultrapassarmos a crise sejam as mesmas que criam as maiores dificuldades para que isso aconteça. Não é cortando nos direitos dos trabalhadores que as empresas se sentem mais inclinadas a contratar. O princípio é simples: menos condições, mais exploração.
Nem tudo está perdido. Ainda hoje há excepções e quem se aguente com as condições que existem. Rui Nabeiro é uma delas. O problema é que os bons exemplos não parecem ser replicados. Há aversão ao copianço. É verdade que o regime de excepção para a Auto-Europa também está na base do seu sucesso, mas há outros casos em que houve, simplesmente, uma readaptação à realidade. É o caso do tão querido exemplo da CGTP da Mabor, vendida à beira da falência à Continental que, com a mesma força de trabalho que tinha, tornou-se numa das fábricas modelo da multinacional alemã de pneus. Os esquentadores Vulcano, que hoje são Junkers, mas mantiveram o label nacional e continuam na vanguarda do sector.
Isto faz pensar. O problema está nos trabalhadores, esses sugadores do Estado Social, ou nos empresários que os lideram? O tecido empresarial português parece que antes de ser revitalizado precisa de passar da malha grossa que é para a malha fina, que todos gostam de vestir. É só uma ideia. Vale o que vale.