Querida política, meu amor
A propósito de uma presidente da câmara perto do final do 3º mandato que hoje se soube ter, aos 48 anos de idade (e 26 de trabalho), pedido a reforma, fiquei a matutar num dos menos populares temas que me poderia ocorrer por estes dias...
O que fará um político honesto, que vê interrompida a sua (única) carreira numa idade em que é habitual ser extremamente complicado arranjar um novo emprego? Em particular, um político que não navegue pelas sedes nacionais onde, mesmo honesto, poderia antecipar com mais facilidade alguma colocação.
O tema não é original, foi-me alias aventado há vários meses por alguém que se sentia responsável por ter patrocinado há largos anos as carreiras políticas de inúmeros jovens quadros de um distrito do interior que, agora, não cobrando favores que não fizeram e sendo apanhados por esta conjuntura que a todos toca podem saltar do mais alto cargo do município para a inatividade.
Quem está na política serve o país, não se serve do país. Assim deve ser. Pergunto-me, sem oposição ao que acabei de dizer, se os incentivos que existem para quem exerça funções de representação pública são os adequados para que floresçam na virtude do serviço público esses mesmo atores políticos que vamos elegendo.
Um político deve ser sempre um cumpridor de uma comissão de serviço, cuidando sempre da sua verdadeira carreira (além política)?
Poderá haver, no contexto atual, espaço para que o exercício profissional da política consiga escapar ao apelo da sobrevivência e da autopreservação que se alimenta, com prejuízo, do melhor interesse público? Como imagina quem defende os políticos profissionais, o conceito de carreira associado?
As perguntas remetem para uma dicotomia que contudo encontra alternativas/variantes na praxis política. Um sociólogo que analise a população política portuguesa (a dos representantes eleitos em funções ou que tenham passado por elas) poderá demonstrar (ou não) quão importantes são alguns ofícios que vão permitindo alimentar uma carreira em simultâneo com o exercício de cargos políticos (recordo a profusão de políticos que acumulam função letivas), poderá também demonstrar quantos mantêm um vínculo profissional ao qual poderão regressar no final de cada etapa política, poderão ainda discorrer sobre quantos são diletantes no sentido de serem bastantes abastados para não terem de cuidar de coisas comezinhas como o ganha pão familiar. Não relevam para a matéria os que acumulam actividade profissional no ativo, pelo menos para o enfoque deste artigo ainda que adorasse ter acesso a um estudo demográfico completo que acompanhasse o antes, o durante e o depois das carreiras profissionais dos portugueses que ocuparam cargos de representação política. Não há por aí sociólogos com falta de ideias para teses de doutoramento?
A vox populi resolve num ápice todas as minhas... questões: ou são todos corruptos ou estão em conluio e, claro, uma mão lava a outra e é tudo a mesma corja.
Um dia redescobriremos o poder dos incentivos e o risco que representa não os controlarmos em democracia. Até lá vamo-nos convertendo todos à hipocrisia que é exigir dos outros o que nunca aceitaríamos para nós.