As malas e o chapéu
Tinha que ser este o início da minha participação neste blog. As malas (ainda) não as minhas, mas as muitas que se fazem por este país fora, onde se levam as saudades de quem fica, mas não da vida que fica, e, sobretudo, a esperança de um futuro.
E nem falo só dos que saem por terem conseguido fora um emprego com condições e salário melhores do que têm cá, mesmo que para isso tenham de deixar a família para trás. Falo também dos que partem, às vezes diretos das universidades, sem nada em vista, dispostos a trabalhar no primeiro emprego que conseguirem, a viverem como conseguirem.
“Mas por que não fazem o mesmo cá?”, perguntam alguns. Primeiro porque até esses empregos não especializados escasseiam em Portugal e depois - e o depois é que me parece ser o pior de tudo – não têm esperança de um futuro neste país. Repare-se que não digo que buscam um futuro melhor, mas apenas um futuro.
Olhando para o passado, para o meu e de muitos outros como eu [que até têm emprego], para o nosso presente, podemos antecipar um futuro? Algo pelo qual ansiar?
Estudámos, trabalhámos, lutámos por sermos os melhores, e o futuro tem sido sempre pior do que o passado. Se ficarmos doentes, recebemos menos, se ficarmos desempregados (os avanços e recuos já foram tantos que já nem sei), pagamos cada vez mais impostos e dizem-nos que talvez (o mais certo) é não termos direito a reforma.
Temos emprego, mas o trabalho, por vezes até mais do que ontem, é feito hoje por menos pessoas, em piores condições, com salários reais mais baixos. As empresas não aumentam salários, reduzem equipas, cortam nos bónus de produtividade, algumas porque estão em dificuldades, outras... digamos que usam o chapéu da crise para não o fazer. Esse chapéu, de tamanho universal, que também o Governo usa demasiadas vezes, é usado por muitas empresas, sobretudo as grandes empresas, como arma de chantagem mais ou menos dissimulada. A frase: “Pelo menos tens emprego”, mesmo que não expressa, está sempre nas nossas cabeças.
Não foi este o futuro que sonhámos, não é este o presente que queremos e nem podemos deixar que se prolongue.
“No inferno, os lugares mais quentes são reservados àqueles que escolheram a neutralidade em tempo de crise”
in “Divina Comédia”, Dante
Por agora, as minhas malas estão vazias. Mas são só as malas.