Um erro colossal
Tenho pena de não conseguir acompanhar a comissão parlamentar de inquérito às Parcerias Público-Privadas rodoviárias e ferroviárias com a devida atenção. No entanto, do pouco que tenho visto, têm existido alguns bons momentos de lucidez, que deitam por terra os desesperados e já gastos argumentos da atual maioria, numa derradeira (?) tentativa de culpabilizar o anterior governo por tudo o que de mal existe.
Depois de Ana Paula Vitorino (antiga Secretária de Estado dos Transportes) referir que a suspensão do TGV foi um “profundo retrocesso para nossa economia”, António Mendonça (antigo Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações) referiu o óbvio: “a desistência do projeto de alta velocidade terá sido um erro colossal”.
Não querendo fazer deste texto um exercício de defesa do TGV (que, pessoalmente, defendo, subscrevendo o que os acima citados disseram), gostaria apenas de sublinhar alguns aspetos que não sei se terão sido devidamente realçados na tentativa de contabilização dos prejuízos que resultaram da birra que as lideranças do PSD e do PP resolveram lançar em relação ao TGV.
Conforme todos se recordam, da última vez que PSD e PP estiveram no Governo, comprometeram o país com a concretização de 5 linhas de TGV, assinando um importante acordo com os nossos vizinhos espanhóis e permitindo, assim, que começasse a ganhar forma a perspetiva de ligar a península ibérica à rede europeia de alta velocidade ferroviária, com todos os benefícios daí resultantes.
Algum tempo depois, PSD e PP passaram à oposição e coube ao PS concretizar este importante compromisso, definindo a estratégia, as prioridades a atribuir às diferentes linhas e lançando os respetivos concursos, enquanto, do outro lado da fronteira, em Espanha, fazia-se o mesmo.
Parte importante deste processo passou por assegurar o financiamento destes investimentos e, neste campo em particular, constituiu-se como prioridade tentar obter importantes montantes de co-financiamento comunitário, aliviando o país de um esforço financeiro avultado para a concretização de uma obra que, em bom rigor, era do interesse de toda a União Europeia. Tal desígnio foi alcançado com um sucesso assinalável e Portugal passou a dispor de avultados montantes para concretizar este projeto (os quais, recorde-se, para serem atribuídos ao “nosso” TGV, não foram concedidos a outros projetos, de outros Estados-membro). De tal modo que o impacto financeiro para o país (ou, se preferirem, para “o dinheiro dos nossos impostos”), ao contrário daquilo que a demagogia e o populismo nos têm tentado convencer, passou a ser muito baixo.
Com a suspensão do TGV todo este esforço foi, literalmente, lançado pela janela. Espanha ficou com uma rede ferroviária incompleta, por não dispor da prevista (e com a qual nos comprometemos) ligação a Portugal e nós vimos desaparecer (literalmente) avultados montantes de co-financiamento comunitário, sendo certo que, depois desta trapalhada, numa eventual negociação futura de apoios comunitários ao investimento, será com muito maior dificuldade que estes serão atribuídos a Portugal em detrimento de investimentos apresentados por outros países.
Quando, daqui a uns anos, se escrever a história sobre o que está a acontecer nos dias de hoje, talvez se consiga contabilizar de forma mais precisa os prejuízos resultantes desta birra da direita. E, nessa altura, montantes como este (e aproveito para realçar a postura passiva de um Governo que alegadamente é tão apostado em “pagar o que deve”) serão “peanuts”, quando comparados ao real prejuízo que todos teremos que suportar por estarmos cada vez mais “desligados” da Europa.