Chaoskampf
We can't go on togetherWith suspicious minds (with suspicious minds)And we can't build our dreamsOn suspicious minds
A vida caminha sempre para a entropia, tudo tende para o caos. Talvez seja essa a raiz da nossa obsessão pela ordem. Esta manifesta-se em diferentes facetas: da necessidade de ter tudo organizado e equilibrado até à compulsão de catalogar o mundo em categorias estanques, definindo papéis para os indivíduos com base em identidades culturais, preferências sexuais e características psicológicas. O indivíduo é reduzido a um mero algoritmo de gostos e interesses, movido unicamente pelo lucro, tornando-se previsível. Na realidade, todos habitam um espectro vasto, onde coexistem motivações diversas e, muitas vezes, contraditórias.
Essa necessidade de controlo assume especial relevo nas interações laborais: criam-se regras, métricas de produtividade, artigos científicos a publicar. Mas estende-se também a planos mais íntimos: quantificam-se os passos dados num dia, as calorias ingeridas, o tempo passado à frente do ecrã, devidamente acompanhado do respetivo gráfico. A experiência humana torna-se burocratizada.
A extrema-direita explora esta ansiedade. Por um lado, como um parasita, atiça a desordem, impedindo que o solo assente, fabricando polémicas e distorcendo a realidade, sobretudo ao instrumentalizar minorias. Fomenta perceções de insegurança, não apenas em relação à criminalidade, mas também à identidade das maiorias (sem justificar concretamente o mecanismo dessa ameaça). Por outro lado, nega a própria natureza entrópica do mundo, simplifica o mundo, e revela que tudo isto seria simples se o “inimigo” (minorias, elites, imigrantes, imprensa) fosse eliminado. Tudo agora é uma bandalheira, um verdadeiro pântano, mas ela, e apenas ela, pode restaurar uma alegada ordem primordial. O seu discurso é eficaz porque há aversão à incerteza e à complexidade, e confere conforto na desresponsabilização das consequências do caos.
A perda dos laços sociais e a atomização do sujeito, acompanhadas da erosão das bases de autoridade, quer individuais quer institucionais, agravam este sentimento de desorientação e tornam os indivíduos mais receptivos ao discurso simplista. Nos tempos recentes, houve, e ainda bem, uma contestação ao “argumento de autoridade”. E, face à história recente, é compreensível que se desconfie das instituições financeiras, dos organismos internacionais e dos media. Tudo isto cria um sentimento generalizado de desconfiança: nas relações laborais, familiares e sociais. Há um impulso para construir um sistema de vigilância constante, de combater o trabalho remoto, rastrear os movimentos dos filhos, exigir transparência total das instituições e dos políticos.
No entanto, estas estratégias não geram confiança, apenas criam um ciclo perpétuo de medo e de reforço dos mecanismos de controlo. Confiar implica sempre, na sua essência, ceder um pouco de nós a um terceiro. Sem isso, o que resta não é confiança, apenas o medo de viver e a ilusão de ordem.