Meritocracia em tempos de pandemia
Durante anos, foi-nos dito que não se devia desperdiçar uma crise, que havia lições a retirar das dificuldades. Assim, foi com surpresa — ou talvez não — que foi esquecida, no mínimo pouco debatida, a lição principal que se devia retirar destes anos de pandemia: a economia como um sistema cooperativo de produção conjunta.
Ao contrário do que nos é vendido diariamente, a riqueza não é formada por um punhado de empresários geniais, que por via do seu esforço conseguem produzir tudo sozinhos. Nestes tempos de pandemia foi demonstrado, se dúvidas ainda houvesse, que tudo é produzido por todos trabalhando em conjunto; que todos os trabalhadores se encontram interligados numa rede de produção e de consumo.
A capacidade de produção de cada trabalhador está, assim, dependente da produção de terceiros, quer seja comida, limpeza, de cuidados de saúde, escola, cuidados domésticos, etc. Durante a pandemia apenas foi possível ficar em isolamento porque outros mantiveram em funcionamento a produção de comida, a recolha do lixo, e para que estes pudessem trabalhar algumas escolas tiveram que se manter abertas para que os seus filhos não ficassem sozinhos.
Deste modo, todos beneficiam da diversidade de talentos e dos papeis numa sociedade, em que ninguém tem uma contribuição muito acima dos demais. Daqui decorre inevitavelmente que deve existir reciprocidade entre todos os trabalhadores e uma justa divisão do lucro.
Esta visão da economia deve ser traduzida nas seguintes formas:
Em primeiro lugar, qualquer salário deverá permitir que qualquer trabalhador a tempo inteiro consiga provir para si as necessidades básicas para viver. Não existem trabalhos menores, são todos úteis para o todo.
Em segundo lugar, a redução das desigualdades salariais. Com efeito, "em 2019, somando a remuneração fixa e variável, os CEO em Portugal passaram a ganhar quase 30 vezes mais do que a média do salário dos trabalhadores. Em 2018, ganhavam 25 vezes mais. Em média, cada CEO ganhou 916 mil euros em 2019, um aumento de 20% face ao exercício anterior, enquanto o salário médio dos trabalhadores, ficou-se pelos 29 mil euros, subindo 1,5% em termos homólogos. Esta diferença não é justificável nem aceitável".
Por último, um sistema fiscal justo para todos. Conforme referido supra a sociedade é um sistema de cooperação que produz conjuntamente a riqueza total da economia. Daqui decorre que a sociedade moderna tem uma profunda dependência mútua. Desta forma, todos devem contribuir para a sociedade de acordo com os meios de cada um.