Chegam pela sombra
Pat Riley, um dos mais famosos treinadores e dirigentes da NBA, cunhou no seu livro “Showtime” o conceito de “disease of more”: após alcançado o campeonato os jogadores nunca ficam satisfeitos, querem sempre mais, mesmo que seja contra a colectivo, concluindo que o sucesso é normalmente o primeiro passo para o desastre.
A direita portuguesa parece ter chegado a este ponto. Todos os seus grandes objectivos políticos foram alcançados. O impulso final ocorreu com a troika, cuja chegada foi aplaudida por todos à direita - basta recordar o entusiasmo de Eduardo Catroga na assinatura do memorando ou como foi apregoado que iam para além da troika e que esse seria sempre o seu programa.
Neste momento, não existe praticamente nada para privatizar. E para o que falta (Caixa Geral de Depósitos, S. A., RTP, Seg. Social, Educação e Saúde) não existe suficiente apoio popular — a TAP é uma exceção em todos os aspetos. A percentagem de funcionários públicos na população empregada em Portugal é inferior à média da União Europeia. O equilíbrio de poder entre capital e trabalho pende claramente para o capital, desde os direitos laborais passando pela tributação. Apesar da manutenção do SNS, ocorreu um aumento substancial do número de portugueses com seguro de saúde - em fevereiro de 2021 já eram quase 3 milhões, cerca de mais de mais 80% dos que no final de 2015.
Portugal pode não ser ainda o sonho liberal de muitos, mas está ainda mais longe do socialismo socialismo estatizante que muitos apregoam. No fundo, Portugal é uma sociedade construída à imagem do centro direita.
Face ao sucesso alcançado existe um claro vazio programático. E, por força das regras orçamentais europeias, não pode, neste momento, anunciar uma descida de impostos, sem ser acompanhada de uma redução drástica dos apoios sociais, que seria igualmente impopular.
Nesta encruzilhada a direita aparentemente minoritária, seguindo uma visão verdadeiramente conservadora, procura manter o que há, fazendo pequenos incrementos, evitando a natural entropia do sistema.
No entanto, a maioria sofre do “disease of more”. Esta direita pretende continuar a caminhar, alterando ainda mais o centro político de forma a adaptar a este contexto, puxando a janela de Overton para ainda mais à direita.
Acontece que a maior parte dessas medidas não têm apoio popular suficiente para ganhar eleições. E aqui surge a ideia de agregar todo o espectro da direita para alcançar o poder. Para isso estão dispostos a fazer explodir o centro.
Assim, assiste-se a uma cada vez maior polarização política: a um tom crispado e acusatório; à utilização de um discurso anti-sistema contra um sistema totalitário imaginário, apelidando todo o espectro político à sua esquerda de radicalismo enquanto, ao mesmo tempo, normalizam uma extrema direita em ascensão.