Parábola do filho fiscal
"Dois velhotes, antigos colega de escola, encontram-se no avião de Nova Iorque para Paris e fazem o recenseamento da turma. O Miguel? Ginecologista em Milão, já vai na terceira mulher. O Costa? Tem uma refinaria na Venezuela, solteiro. O Mário? Morreu, coitado, com uma infecção esquisita, na Argélia. O André? Em Israel, director de um banco. O Hugo? Engenheiro em Basileia, cinco filhos. Mas e o João? O João ficou no mesmo sítio, no Porto. Admiras-te? De todo! O João sempre foi aventureiro."
Adaptado de uma velha anedota romena.
Na festa de verão do PS, António Costa anunciou a sua proposta de isentar do pagamento de metade de IRS durante três a cinco anos todos os emigrantes que tenham partido durante a crise e queiram regressar a Portugal entre 2019 e 2020.
Ninguém dúvida que crise despoletou um grande aumento da emigração. De acordo com o Observatório da Emigração, o valor máximo de emigração em Portugal neste século foi atingido em 2013, com cerca de 120 mil saídas; daí em diante, verificou-se um abrandamento da emigração, em linha com a recuperação económica no país, embora a um ritmo inferior ao crescimento. É igualmente indiscutível que este fluxo migratório tem efeitos nefastos, sobretudo num país como Portugal que se depara com uma baixa taxa de natalidade e falta de qualificações (apesar de se desconhecer actualmente qual a taxa de emigração de qualificações superiores).
No entanto, a proposta do Governo parece um remendo feito à pressa. Por um lado, a sua eficácia é duvidosa. A emigração aumentou sobretudo em resultado da crise, isto é, por causa do desemprego, da falta de oportunidades para prosseguir com determinados projectos profissionais, redução da qualidade de vida. Deste modo, a prioridade das políticas deve ser a resolução destas questões. A taxa de desemprego continua elevada e bem longe ainda do pleno emprego. Por sua vez, o investimento cresceu, mas ainda se encontra a um nível 25% inferior ao de 2008. Apenas após a melhoria das condições gerais do país, tornando o país mais atractivo para todos, poderia fazer algum sentido as propostas anunciadas pelo PM.
Por outro lado, - sendo este o aspecto mais grave - os portugueses que permaneceram durante a crise sentir-se-ão desvalorizados. Com efeito, os que ficaram e aguentaram "um grande aumento de impostos" iriam sofrer um injustiça relativa em termos fiscais. Mesmo que a medida venha a ter uma aplicação pontual, iria manter-se este sentimento, que em última análise colocaria mais um entrave à coesão social.