"What’s in a name?"
Shakespeare
Após a 2ª Guerra Mundial, Ministérios de Guerra, que assim se tinham chamado durante décadas, foram renomeados Ministérios da Defesa. Esta alteração semântica traduz o novo entendimento da guerra, que até aquela altura era apenas mais um instrumento para resolver problemas de diplomacia.
Serve este exemplo para demonstrar que as palavras importam e em política ainda mais. Por isso não é inocente que muitos responsáveis políticos tenham escolhido o termo guerra na reacção aos ataques terroristas na Bélgica, como aliás já tinha ocorrido após os ataques em Paris.
Do mesmo modo não foi inocente quando o Presidente Bush usou o "War on Terrorism" ou ainda quando Nixon lançou a "War on Drugs". Em ambas as situações o uso do termo "war" visava, alimentando o medo, por um lado, preparar a opinião pública para medidas excepcionais de limitação de direitos, liberdades e garantias (ex: patriot act; penas acessórias de retirada de apoios sociais apenas associadas a crimes ligados a droga, o que afectou sobretudo a comunidade negra) que em condições normais teriam tido uma forte oposição; e por outro, instrumentalizar esta "guerra" para obter outros ganhos políticos ou justificar medidas como no caso da invasão do Iraque.
Dada a natureza do terrorismo é impossível combate-lo por via da guerra, que inadvertidamente acabará por servir os interesses dos terroristas: favorece a radicalização de posições, potenciando novos recrutamentos. Tal não quer dizer que não se pode combater o terrorismo utilizando todos os meios possíveis: melhor investigação, medidas de segurança e prevenção, cortar o financiamento, etc. Esta será sempre uma luta diária e constante, da mesma forma que se combate qualquer outro crime, salvaguardando, claro, outras especificidades. No entanto, esta luta não é, nem pode ser, uma guerra, já que esta pressupõe um fim: uma campanha com objectivos militares mais ou menos definidos.
Entretato, em França é mantido sem fim à vista o estado de emergência que permite, entre outras coisas, buscas sem ordem judicial e, por ordem do Ministro do Interior, manter em prisão domiciliária qualquer pessoa cuja actividade seja considerada perigosa para a segurança e a ordem pública. Segundo a Amnistia Internacional, desde Novembro foram realizadas mais de 3242 buscas, das quais resultaram apenas 4 investigações criminais relacionadas com terrorismo e 21 investigações sobre a demasiado vaga "apologia do terrorismo"; ordenadas mais de 400 prisões domiciliárias, com pouca ou nenhuma explicação, o que impossibilita a defesa dos detidos; e fechado um número considerável de mesquitas, apesar de, em muitos casos não existir qualquer fundamento para tal nem ter sido aberto qualquer inquérito.
O perigo do terrorismo é grande, mas mais perigoso é o Estado que, declarando-lhe guerra, acabe por transformar-se num estado de excepção, violando sistematicamente os princípios democráticos.