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365 forte

Sem antídoto conhecido.

Sem antídoto conhecido.

18
Jun15

Uma tragédia clássica em perspectiva

Pedro Figueiredo

 

O desfecho de uma possível saída da Grécia da zona euro tem tudo para se tornar uma tragédia clássica tal como Aristóteles a descreveu. E não necessariamente para os gregos, ainda que a situação financeira do país fique por resolver mesmo abandonando a moeda única. Isto porque a ideia de Europa, em consonância com os desígnios de quem a pensou na sua forma original, tinha tudo a ver com a solidariedade entre os povos.

Churchill dizia que em tempo de paz o que deve prevalecer é a boa vontade. No entanto, esta parece estar a ser sacrificada pelo simples facto de um país recusar impor aos seus cidadãos a agonia de um estrangulamento económico que apenas agrava (e compromete seriamente) o desejado (por todas as partes) pagamento das obrigações.

Ainda ninguém conseguiu avaliar a real dimensão da saída da Grécia do Euro e há opiniões para todos os quadrantes ideológicos. Porque, que se queira quer não, é de ideologia que se trata e não de simples contabilidade orçamental. O Syriza, radical ou moderado, teve o mérito de afrontar o discurso vigente das inevitabilidades que desde 2008 tem sido vendido à opinião pública. O resultado dessas inevitabilidades vem hoje muito bem descrito na primeira página do The Guardian. Brevemente podem fazer o mesmo com Portugal.

É possível que a saída da Grécia seja um caso isolado. Que não haja perigo de contágio ou, mesmo a haver, a boa vontade que parece não haver com os gregos agora, tenha que obrigatoriamente surgir mais tarde com as economias mais débeis da zona euro, com Portugal (de cofres cheios) obviamente na linha da frente das vítimas. O certo é que para a história ficará uma ferida das que deixam marcas num projecto comum (importante), no qual se deixou cair um parceiro por razões meramente contabilísticas. Como no elo mais fraco: “adeus”. Sem que se tenham ouvido vozes suficientes para a defesa de um Estado membro da União (monetária, neste caso).

Para os mais acérrimos defensores da lógica mercantilista é sempre bom lembrar que existem na equação activos intangíveis. Que discurso terá a Eurogrupo depois de permitir a saída da Grécia do Euro? Que solidariedade pode defender sem manchas de ridículo por ter desistido do sexto mais populoso país dos 19 da moeda única? Não será difícil adivinhar quem será o maior prejudicado desta tragédia clássica que se perspectiva. Entre Euro e Grécia, o futuro o dirá.

 

A propósito…

 

M: This private vendetta of yours could easily compromise Her Majesty's government. You have an assignment, and I expect you to carry it out objectively and professionally!

James Bond: Then you have my resignation, sir.

M: We're not a country club, 007!

18
Jun15

Há coincidências nos roteiros?

CRG

Não deixa de ser curioso que tenha sido na Roménia que Cavaco Silva sublinhou o reconhecimento das instituições internacionais face às reformas estruturais em curso e aos compromissos assumidos pelas autoridades portuguesas.

 

Foi precisamente nesse país, convém relembrar que "no início dos anos oitenta, Ceauşescu decidiu reforçar a credibilidade internacional do seu país através da liquidação da enorme dívida externa da Roménia. As agências do capitalismo internacional - começando pelo Fundo Monetário Internacional - ficaram encantadas, não poderiam elogiar o ditador romeno o suficiente. (...)

 

Para pagamento dos seus credores ocidentais, Ceauşescu aplicou uma pressão implacável e sem precedentes sobre o consumo interno.  (...) O Conducător romeno começou a exportar cada mercadoria disponível produzida internamente. Os romenos foram forçados a usar lâmpadas de 40 watts em casa (quando a electricidade estava disponível), de modo que a energia pudesse ser exportado para Itália e Alemanha. Carnes, açúcar, farinha, manteiga, ovos, e muito mais foram estritamente racionado. Para aumentar a produtividade quotas fixas foram introduzidos para trabalho público obrigatório aos domingos e feriados (a corvéia, como era conhecido na França do ancien régime).  

 

O uso de gasolina foi reduzido para o mínimo: em 1986 um programa de criação de cavalos para substituir veículos motorizados foi introduzido. Carroças puxadas a cavalo tornaram-se o principal meio de transporte (...).  As políticas de Ceausescu tinham uma certa lógica macabra. Roménia conseguiu de facto pagar aos seus credores internacionais, embora ao custo de reduzir a sua população à penúria."*

 

*Tony Judt,  "Postwar: A History of Europe Since 1945" (tradução e negritos meus)

17
Jun15

Paf no bom-senso

CRG

Depois de nesta semana um deputado do PSD ter chamado cão ao Ministro das Finanças grego, hoje o deputado do PSD João Figueiredo disse no Parlamento que o partido grego Syriza é a "cirrose da Europa".*  

 

A desumanização é o primeiro passo para a prática de actos desumanos como a história repetidamente demonstra: no primeiro genocídio do século XX o Império Alemão defendeu na opinião pública mundial o massacre dos Hererós, dizendo que estes não poderiam ser protegidos pela Convenção de Genebra porque não eram humanos de verdade, mas "subumanos"; e Trotha, general alemão, defendeu que não fazia sentido abrir excepções para as mulheres e crianças Heréros porque estes iriam "infectar as tropas alemãs com a sua doença".

 

Nem era necessária consciência histórica para se evitar a infâmia de comparar um partido democrático, líder de um país aliado, a uma doença, bastava um pouco de bom-senso. Infelizmente, este, ao que parece, foi trocado por cofres cheios.

 

*Dá quase vontade para perguntar se a austeridade é o álcool.  

13
Jun15

É trágico quando falhamos colectivamente

Nuno Oliveira

Falhámos dramaticamente ao não perceber o quanto estava em causa no caso Leonor Cipriano. Falhámos colectivamente porque não houve desconhecimento. O Expresso fez capa, deu-lhe a devida publicidade. E, honra lhe seja feita, Marinho Pinto fez também a parte que lhe competia. Só nos podemos queixar de nós próprios.

 

Faltou-nos. Faltou-nos perceber que os valores do Estado de direito tinham de estar à frente do nosso preconceito. Faltou-nos. Faltou-nos perceber que não podemos desviar. Faltou-nos. Faltou-nos coragem, disponibilidade ou arrojo para sairmos do nosso conforto e fazer. Fazer qualquer coisa.

 

Como na Crónica de Uma Morte Anunciada todos nos conformamos com a ideia que alguém que não nós fará algo. E todos convencidos disso, ninguém faz nada. E como uma boa tragédia colectiva, estamos confrontados com o momento em que só há soluções péssimas.

leonorexpressopics2.jpg

 

09
Jun15

Mitómano Suburbano

CRG

"Jerry, just remember. It's not a lie... if you believe it..."

George Constanza

 

De vez em quando Passos Coelho gosta de desafiar a nossa credulidade. Desde alegar que não se recordava quanto ganhou mensalmente durante três anos a afirmar que desconhecia a obrigatoriedade de enquanto trabalhador independente de proceder às contribuições a favor da Segurança Social.

 

Na última segunda-feira deixou um novo desafio: "Há uns quantos mitos urbanos, um deles é que eu incentivei os jovens a emigrar. Eu desafio qualquer um a recordar alguma intervenção ou escrito que eu tenha tido nesse sentido." Sucede que neste caso havia registo audiovisual da afirmação que o Primeiro-Ministro nega ter proferido.

 

O que leva alguém a afirmar algo que sabe, ou pelo menos devia saber, que seria facilmente desmentido? Felizmente, já deixei de tentar perceber Passos Coelho, que, é bom lembrar, se define como "alguém que mede o que diz, que prepara o que decide, que não responde de forma irreflectida, que não é governado por impulsos".

 

No caso o mais relevante são os efeitos deste comportamento reiterado no valor da palavra e na viabilidade do discurso político, garante da existência de debate - um dos pilares da democracia. Esta degradação contagia todo o edifício, aumenta a desconfiança, a alienação e o cinismo. Toda a gente mente, sim. Mas sem o mínimo de probidade não há democracia que aguente.

03
Jun15

CEI lá

CRG

Segundo o DN há 46 mil pessoas desempregadas a trabalhar para a administração pública com contratos emprego-inserção. Ao abrigo destes contratos os desempregados que estão a receber subsídio (ou rendimento social de inserção) são colocados a trabalhar em serviços da administração pública para fazer trabalho "socialmente necessário" sem receberem salário, apenas com uma bolsa. Os contratos têm a duração máxima de 12 meses, com ou sem renovação.

 

Em Novembro do ano passado o Provedor de Justiça havia alertado que variadas entidades públicas usam estes programas, que visam promover a empregabilidade dos desempregados, para fazer face a falhas de pessoal. No topo da lista estão escolas, centros de saúde, autarquias mas também a Autoridade para as Condições do Trabalho e até museus e alguns dos monumentos mais emblemáticos de Lisboa, onde "quase todo o serviço de vigilância e recepção é feito por titulares de contrato-inserção".

 

Em vez de serem remunerados pelo seu trabalho, que visa suprir uma necessidade permanente dos serviços, parte destes trabalhadores pagam para trabalhar, uma vez que, é bom relembrar, o subsídio de desemprego é uma prestação contributiva.

 

Por sua vez, a Segurança Social é forçada a pagar prestações que não são devidas ao mesmo tempo que deixa de receber contribuições decorrentes dos contratos de trabalho. E depois ainda alegam com ar sério de estadista que a Segurança Social não é sustentável. 

 

 

«As circunstâncias são o dilema sempre novo, ante o qual temos de nos decidir. Mas quem decide é o nosso carácter.»
- Ortega y Gasset

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