Com a eleição dos novos órgãos de direção do Partido Socialista, foi também iniciado um processo de revisão dos Estatutos do PS. Na única proposta de estatutos que atualmente se conhece, vêm propostas algumas alterações que são de saudar, nomeadamente o regresso aos mandatos bianuais nos orgãos eletivos do PS e um aumento dos poderes da Comissão Nacional. Todavia, há uma que não se entende nem se compreende: sob a capa do aumento do "alargamento das possibilidades de participação democrática" dos militantes e da "participação aberta dos cidadãos", mais precisamente dos simpatizantes (nada contra, tudo a favor, já não era sem tempo), aparece a novidade injustificada de permitir que os simpatizantes sejam eleitores nas eleições directas para Secretário-Geral.
Ora bem, vou ser breve, que a incredulidade é muita: não faz absolutamente nenhum sentido permitir que não-militantes, pessoas que não membros do PS, que não têm que se subjugar aos Estatutos do PS nem se submeter às decisões dos seus órgãos jurisdicionais, que são independentes que apenas declararam identificarem-se "com o Programa e a Declaração de Princípios do Partido Socialista", que, enfim, não estão filiados no partido, possam, assim se a Comissão Nacional estiver para aí virada, participar numa eleição interna do partido. O Secretário-Geral do Partido Socialista é o dirigente máximo duma organização partidária. Não é, à partida, candidato a qualquer cargo público. Não estamos a falar de primárias para escolher candidatos do PS a eleições públicas. Não, isto é um cargo interno do partido, fruto duma eleição interna do partido, para uma função que apenas diz respeito a membros do partido. Que lógica há em permitir que pessoas que não estão inscritas na organização possam ter o privilégio de votar na sua eleição interna mais importante?
E depois, a proposta de Estatutos contradiz-se.
Na proposta de emenda ao artigo 12º, relativo aos direitos e deveres dos simpatizantes, está assim:
"d) (novo) Em especial, poder ser chamado a participar na eleição direta para Secretário Geral do PS ou em eleições primárias quando tenham lugar, por deliberação dos órgãos próprios do partido."
E, na emenda ao artigo 58º, referente às competências da Comissão Nacional, aparece desta forma:
"3. (novo) A eleição direta do Secretário Geral pode admitir a participação dos simpatizantes do PS, nos termos definidos pela Comissão Nacional."
Contudo, na proposta de alteração ao artigo 15º, o artigo que define quem é detentor de capacidade eleitoral nas eleições do partido, temos isto:
"Têm capacidade eleitoral os membros do Partido com seis meses de inscrição na data do ato eleitoral e que constem dos cadernos eleitorais elaborados nos termos dos competentes regulamentos."
Ora, "um membro do Partido" é, segundo o artigo 6º, "quem, aceitando a Declaração de Princípios, o Programa, os Estatutos e a disciplina do Partido, se inscreva como militante e seja aceite pelos competentes órgãos". Isto é, os atuais estatutos equivalem a definição de "membro do Partido Socialista" a "militante do Partido Socialista". Assim sendo, não existindo nenhuma proposta de emenda ao artigo 6º, tanto a atual versão do artigo 15º como aquela que é agora proposta, proíbem a participação em eleições internas, como as diretas para Secretário-Geral, a quem não seja "membro do Partido com seis meses de inscrição à data do ato eleitoral". Ou seja, como ficamos? Os simpatizantes podem participar na eleição, mas não têm capacidade eleitoral, é isso? Há algo que me está a escapar ou isto não tem sentido algum?