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365 forte

Sem antídoto conhecido.

Sem antídoto conhecido.

20
Out14

Benthamite de Pacotilha

CRG

"Perhaps in truth wether the camp was declared a parasite on the town or the town a parasite on the camp depended on no more than who made his voice heard loudest"

"Life & Times of Michael K"

 

Na entrevista ao DN Maria Luís Albuquerque afirma que o limite criado para as prestações sociais não contributivas justifica-se por que quer "assegurar que não há desincentivos ao trabalho".

 

Por onde começar.

 

Vamos deixar de lado que a crise acrescido da austeridade destruiu emprego, que milhares de empresas faliram, que houve um aumento de emigração digno dos anos 60 do século passado e que a taxa de desemprego atinge os 14,7% -  o desemprego não é uma questão moral ou de preguiça.

 

Vamos deixar de lado que a concessão de prestações sociais não contributivas é já objecto de um controlo elevado, com requisitos apertados e quem diga com burocracias destinadas a dificultar o acesso, e com efectivo "strip-tease das contas bancárias".

 

Vamos deixar de lado que conforme escreveu neste blog o Frederico  "a percentagem da população em situação de pobreza consistente, isto é, que estão simultaneamente em risco de pobreza e em privação material, subiu de 8,2% em 2012 para 10,4% em 2013. Fazendo as contas, temos 200 000 novos pobres num ano."

 

Vamos deixar de lado que para a grande maioria das pessoas um emprego não é só uma fonte de rendimento, mas constitutivo da sua personalidade, do seu lugar na sociedade.

 

O que tornam as declarações da Ministra das Finanças ignóbeis é facto de Portugal ser "um dos países com maior número de trabalhadores pobres", com efeito "10,5% da população empregada estava em risco de pobreza em 2012 e que 5,5% dos trabalhadores por conta de outrem viviam em privação material severa em 2013".

Deste modo, o que devia preocupar o Governo não deveria ser o valor alegadamente elevado das prestações sociais não contributivas, mas sim que os vencimentos praticados não permitem aos trabalhadores fugirem à pobreza.

 

Maria Luís Albuquerque, uma Benthamite de pacotilha, procura tornar a vida dos desempregados o mais agreste possível para que não lhe restem outra alternativa que não aceitar um emprego quaisquer que sejam as condições, simplesmente inefável.

 

 

19
Out14

"Os deputados levantam-se, permitindo assim que todos os portugueses visionem como votam"

David Crisóstomo

 

Aqui há uns meses assinei a petição "Direito a saber como votam as pessoas eleitas que nos representam" que apelava à Assembleia da República para que cumprisse um requisito que deveria ser básico a qualquer câmara parlamentar: o de informar os cidadãos dos sentidos de voto dos seus membros eleitos nos diversos diplomas submetidos a voto em plenário ou em sede de comissão. Isto é, a Assembleia República deveria possibilitar que na página de cada deputado fosse possível verificar se este tinha aprovado, rejeitado ou se abstido numa determinada votação. Actualmente apenas permite verificar se esteve presente.

 

Com o intuito de aumentar a acessibilidade e a responsabilização das decisões dos nossos parlamentares, eu e outros 1145 cidadãos peticionámos à Assembleia da República para que legislasse no sentido de facultar à população um meio para esta facilmente consultar os sentidos de voto daqueles que a representam. A petição deu entrada no parlamento a 13 de Junho, tendo sido admitida para deliberação na Comissão para a Ética, Cidadania e Comunicação no dia 30 do mesmo mês. E como é habitual, os deputados que compõem esta comissão realizaram uma audição aos impulsionadores e primeiros signatários da petição, audição essa que se realizou no dia 16 de Julho. E toda essa audição vem descrita no relatório parlamentar, que ficou a cabo da senhora deputada Carla Cruz, do PCP. Através deste relatório sabemos que os peticionários foram recebidos pelos deputados Sérgio Azevedo (PSD), Sandra Pontedeira (PS), Cecília Honório (BE) e, como não podia deixar de ser, pela deputada relatora Carla Cruz. Após uma intervenção inicial dos peticionários, onde estes explicam as intenções e os motivos da petição apresentada, os deputados presentes apresentaram as posições das suas respectivas bancadas parlamentares. O deputado Sérgio Azevedo terá aparentemente dado os parabéns pela petição e remetido para a posição do PSD aquando da discussão daquela carta de boas intenções que era o Projecto de Resolução 1036/XII do PS - "Aprova a Declaração para a abertura e transparência parlamentar", sem todavia explicitar qual foi, sabendo nós que os deputados da bancada do PSD rejeitaram o único ponto do diploma que era mais concreto, o que pedia uma remodelação do site da AR (enfim). A deputada Sandra Pontedeira também aparentemente elogiou a iniciativa dos cidadãos, revelou que o PS concordava com a proposta apresentada (obviamente, era o que mais faltava) e teceu loas àquele projecto de resolução inconclusivo do PS da "abertura e transparência parlamentar". A deputada Cecília Honório também saudou os peticionários e revelou que grupo parlamentar do Bloco subscrevia integralmente a proposta, tendo alertado para "a necessidade de a prazo a Assembleia da República encontrar uma solução/mecanismo para operacionalizar a pretensão inscrita na petição". A deputada Carla Cruz interveio para afirmar que já é possível os cidadãos consultarem a forma como os deputados votam (já lá vou) e para revelar que não iria revelar a posição da bancada do PCP. 

 

Ora bem, regra geral ninguém liga puto aos relatórios das comissões parlamentares, apesar de em muitos casos de iniciativa legislativa dos cidadãos serem a única resposta concreta que o parlamento dá aos que se lhe dirigiram. Regra geral ninguém liga nenhum, mas eu sou muita chato. E por isso fui procurar o dito. E estava a ficar razoavelmente agradado com o que estava a ler até chegar ao quinto capitulo do relatório - "Opinião do Relator", neste caso, Relatora. A deputada Carla Cruz teve pelo menos o mérito de ser sintética e directa, pois esclarece logo no primeiro parágrafo o que acha disto tudo: o objectivo da petição "já está contemplado e em funcionamento na Assembleia da República". A senhora deputada comunista, prevendo os "?!" que vão surgindo na nossa cabeça, trata logo de sugerir que tenhamos calma, que ao fazer-se uma "análise comparativa entre a pretensão dos peticionários e o Regimento da Assembleia da República percebemos de forma mais cabal o que atrás afirmamos" (este uso do plural é engraçado). Bora lá então. Carla Cruz começa por dizer que, de acordo com o regimento da casa, o resultado duma deliberação é logo anunciado após uma votação pela Mesa da Assembleia. Logo, lá está, tipo, não estou a ver a razão pró queixume: se o senhor cidadão e eleitor quer saber como votam os seus representantes, basta-lhe acampar nas Galerias do Palácio de São Bento e prestar atenção às declarações da Assunção Esteves. Parece-me simples. Mas a deputada Carla Cruz, certamente preocupada com o rácio sacos-de-cama/degraus das Galerias da AR, sossega-nos declarando que no site do parlamento já é possível consultar "o sentido de voto dos partidos com assento parlamentar [existem sentidos de voto de partidos sem assento parlamentar?] e dos deputados". Ora, a deputada do PCP não explicita e eu fico na mesma - onde, em que parte do site da Assembleia da República é possível consultar o sentido de voto dos deputados? A senhora deputada conhece sequer o site? Diz que em caso de votação dissidente da orientação da bancada, essa informação é discriminada. Mas aonde, filha? É que, a titulo de exemplo, na votação sobre o voto de congratulação da desistência do governo espanhol em voltar a criminalizar a interrupção voluntária da gravidez, 7 deputados do PSD votaram contra, divergindo da abstenção da maioria dos membros da sua bancada parlamentar. Quem são os 7 retrógrados? Não sei, pois neste momento o resultado das votações desse dia que se encontra disponível online não me revela os nomes deles. Apenas me diz que foram 7 parlamentares e que se sentam na bancada do PSD. Se foi o Mota Amaral, a Teresa Leal Coelho, o Duarte Marques, o Hugo Soares, a Francisca Almeida ou o Luís Montenegro, não sei, o parlamento só me permite especular. E como a senhora relatora ainda tinha dúvidas que o seu argumento pudesse ser perfeitamente compreendido, rematou que "ainda de acordo com o Regimento da Assembleia da República, os deputados quando votam levantam-se, permitindo assim que todos os portugueses visionem como votam", que dá título a este post. O argumento "faça campismo em São Bento" parece ser a grande aposta.

Ironia das ironias: no relatório, a senhora deputada diz que o vídeo da audição aos peticionários está disponível online. Surpresa: não está. 

 

A deputada Carla Cruz tem uma certa razão. É possível ao cidadão consultar o sentido de voto de um determinado deputado numa determinada votação. De quatro formas diferentes, aliás. Elenco-as:

  1. Sendo o cidadão funcionário da Assembleia da República ou deputado eleito e estando presente nas salas da votações em questão, no momento do voto;

  2. Deslocando-se o cidadão à Assembleia da República no dia da determinada votação e sentando-se nas galerias, quiçá munido com uma caneta e uma folha de papel (é o único material autorizado para acompanhar os espectadores dos plenários), e observando de que forma vota ou votam os deputados que lhe interessam. Este método não é válido para as votações nas Comissões Parlamentares, onde é não é possível a assistência de cidadãos que não pertençam à imprensa ou que não estejam relacionados com os trabalhos;

  3. Estando o cidadão atento à programação do Canal Parlamento ou, caso saiba a data e a hora da votação que lhe interessa, pesquisando no site da ARTV o vídeo da sessão parlamentar em questão (caso este esteja disponível) e procurando neste o momento da votação;

  4. Pesquisando o cidadão no Diário da Assembleia da República, onde será possível consultar as declarações da Assunção Esteves a ler os resultados das votações. Para isto o cidadão terá que saber o nome do projecto legislativo que deseja consultar ou, no mínimo, a data em que foi votado. O DAR está acessível, basta abrir o site do parlamento, carregar no separador "Diário da Assembleia da República", abrir o link da 1ª série do DAR, e esperar. Sim, esperar, porque em regra, o Diário da Assembleia da República só está disponível umas três semanas após uma determinada votação (no caso das Comissões Parlamentares, é outra história, outra série do DAR e bem mais tempo de espera). E há que utilizar um browser que não seja o Google Chrome ou o Internet Explorer, senão não dá, a coisa não vai abrir;

 

Simples, não é? Ah, e claro que isto só é válido numa consulta diploma-a-diploma. Se o cidadão deseja simplesmente avaliar o comportamento parlamentar de um deputado através das formas como este votou num conjunto diverso de diplomas, bom, terá que gastar uns dias de férias ou assim.

 

Até posso perceber esta visão do Partido Comunista Português, no sentido em que, para este, o conceito de "liberdade de voto" dos deputados, a primeira parte do nº1 do artigo 155º da Constituição da República Portuguesa, que refere que "os Deputados exercem livremente o seu mandato", é algo que é visto como uma bizarria que deve ser desincentivada. Os deputados votam todos de igual forma e pronto. Ou porque o PCP, que se apresenta sempre como o representante máximo português do que é verdadeiramente de "Esquerda", talvez não queira que seja assim tão público que os seus deputados se tenham abstido em todas os projectos de lei que permitiriam a adopção por casais do mesmo sexo ou, num exemplo mais recente, no voto de condenação da entrada da Guiné-Equatorial na CPLP.

Seja como for, é irrelevante. Isto é um assunto demasiado importante para esteja limitado apenas às visões do PCP, é um assunto que a todos os partidos diz respeito, que a todos os cidadãos diz respeito. Num tempo de austeridade, de regressão na nossa qualidade de vida enquanto sociedade, onde o discurso anti-parlamentarista prospera (da qual a anterior direção do PS foi uma infeliz porta-voz no seu final de mandato), os parlamentos, através dos seus membros, não podem optar por uma resignação completa às premissas deste nem ignorar algumas das causas que o provocam. Não nos iludamos: uma certa opacidade e desvalorização do papel da Assembleia da República aconteceu nos últimos anos e é um dos factores (não o principal) que inflamam o populismo local. Se não combatemos em todas as frentes este discurso negativista, este discurso que despreza a democracia representativa, como esperamos vir a aperfeiçoa-la?

 

Apelo aqui aos deputados do parlamento português para que não ignorem este pedido que vos chega de 1146 cidadãos que representais, que não ignorem a vontade de quem apenas deseja conhecer as decisões que, através do voto, considerais ser as mais benéficas para o país. Que não ignorem quem apenas quer melhorar o escrutínio da nossa democracia.

 

 

Adenda: Fui relembrado [obrigado Ana] que em certas votações, quando há uma percentagem significativa de deputados que divergem da orientação dada pela bancada parlamentar (como, para os deputados do PS, no caso do projeto de lei do PEV de restrições às touradas ou, para os deputados do PSD, o projeto de lei do PS que consagraria a coadoção em casais do mesmo sexo), o site da AR, semanas após a votação (regra geral, quase um mês), actualiza a página do diploma em questão com os nomes dos deputados "divergentes" (mas não explicita quem foram os outros que seguiram a orientação do grupo parlamentar, obrigado-nos a consultar os registos de presença individuais de cada um dos outros deputados, caso queiramos ter essa informação [e nem isso nos dá certezas de que o deputado tenha de facto participado naquela votação]). Isto, todavia, não invalida nem é de maneira alguma suficiente para o que se exige: é logisticamente impossível consultar o comportamento dos deputados num conjunto abrangente de votações realizados ao longo duma legislatura. A não ser que, como sugiro acima, se reservem umas quantas semanas para o efeito. O que eu e os restantes peticionários exigimos ao parlamento é algo tão simples quanto isto: queremos ter a possibilidade de facilmente consultarmos as posições de um nosso representante eleito expressadas através dos seus votos em diversos diplomas. O que há de errado nisto?

 

17
Out14

Portugal tem 10 000 novos milionários e 200 000 novos pobres

Frederico Francisco

Apenas dois factos:

1. Em 2013 portugal gerou mais de 10 000 novos milionários. Este dado vem num estudo feito pelo Credit Suisse e foi divulgados na imprensa nos últimos dias. Ficámos também a saber que o ritmo criação de novos milionários continua em 2014 e que os 10% de portugueses mais ricos controlam 60% da riqueza nacional.

2. Por hoje se comemorar o Dia Munidal da Erradicação da Pobreza, o INE divulgou números sobre a evolução da pobreza em Portugal. A percentagem da população em situação de pobreza consistente, isto é, que estão simultaneamente em risco de pobreza e em privação material, subiu de 8,2% em 2012 para 10,4% em 2013. Fazendo as contas, temos 200 000 novos pobres num ano.

Deixo as conclusões ao cuidado do leitor.

16
Out14

Podia ser sobre a Alemanha

CRG

BERNSTEIN

We never lost as much as we made.

 

THATCHER

Yes, yes. But your methods! Do you know, Charles never made a single investment? Always used money to...

 

KANE

To buy things. Buy things. My mother should have chosen a less reliable banker. Well, I always gagged on that silver spoon. You know, Mr. Bernstein. If I hadn't been very rich, I might have been a really great man.

16
Out14

A pedra amarrada ao pescoço do PS

Diogo Moreira
O acordo sobre o IRC, que Seguro impôs ao resto do PS, revela-se cada vez mais como um pedregulho amarrado ao pescoço de António Costa. Torna-se cada vez mais evidente que qualquer redução do imposto pago pelos trabalhadores com menores salários, terá de ser compensado com o aumento da tributação sobre as grandes empresas. O esforço fiscal tem de ser redistribuído.
14
Out14

Incompetência ou estratégia?

Sérgio Lavos

Durante algum tempo, ainda quis acreditar que o caos que se vive na educação é apenas resultado de muita incompetência de Nuno Crato e da equipa do ministério da Educação. Mas depois de vários comentadores afectos ao Governo, do novo porta-voz governamental, Cavaco Silva, e do próprio Passos Coelho, terem vindo defender um novo modelo de colocação de professores, fiquei convencido da verdadeira causa da sucessão de erros que se têm vivido neste início de ano escolar: a vontade deliberada de provocar a desorganização no ensino público, deste modo levando a uma discussão que parecia mais do que encerrada há uns anos.

Com milhares de alunos ainda sem professor, atrasos nos programas e a incerteza sobre o futuro a curto e médio prazo, quantos pais não terão já tirado os seus filhos da escola pública, quantos não estarão a pensar fazê-lo? Essa é uma questão. Outra é a razão das sucessivas declarações de apoiantes do Governo, não atacando a aparente incompetência do ministro, mas o modelo em si - quando antes esse modelo sempre funcionou relativamente bem. O que parece acaso e erro poderá não passar de estratégia que visa provocar uma discussão que estava fechada. Se assim for, é ainda mais grave o que está a acontecer. Não se pode brincar com a vida de milhares de alunos apenas por motivações políticas ou ideológicas. Isso configura um crime sem perdão. Repugnante.

13
Out14

Swap Fiscal

CRG

"Then they talked about what they would do with twenty-five dollars. They all talked at once, their voices insistent and contradictory and impatient, making of unreality a possibility, then a probability, then an incontrovertible fact, as people will when their desires become words."

The Sound and Fury, William Faulkner

 

O Governo está viciado no jogo, isto é, julga que resolve todos os seus problemas recorrendo à psicologia da lotaria (o que se compra com a aquisição do bilhete é mais do que a hipótese de vencer, adquire-se o direito de sonhar com a taluda)

 

Primeiro, para lutar contra a evasão fiscal, criou a "factura da sorte". E agora, de forma a poder alegar na próxima campanha eleitoral que baixou impostos, criou um swap fiscal: o alívio da sobretaxa fica assim indexado ao aumento da receita com IRS, através do combate à fraude e evasão fiscal.

 

Certo é que a sobretaxa mantém-se e que a sua devolução não está dependente de maior receita ou da eventual melhoria da economia, mas sim do que for cobrado para além do orçamentado, mas só a que suceder em virtude da eficácia da máquina do fisco.

 

Confuso, claro, como todos os swaps. Ora, se algo ficou demonstrado nos últimos anos é que não estes não são de confiança.

 

No entanto, ouvindo os comentadores na comunicação social parece que se transformaram todos nos miúdos do Faulkner: primeiro tornaram o alívio fiscal numa possibilidade, depois em probabilidade e no fim num facto incontornável.

 

E entretanto, o IRC volta a descer...

13
Out14

"Gostas mais do pai ou da mãe?" (ébola como aperitivo, demagogia como sobremesa)

mariana pessoa

É neste nível básico que vai a "discussão" sobre o caso ébola em Espanha, as 4000 pessoas mortas em África até agora e o abate do cão da auxiliar de enfermagem que entretanto contraiu o vírus.

Não: a discussão desta gente iluminada pelo civismo e pela urbanidade não se direcciona no questionamento sobre o facto de uma auxiliar de enfermagem ter podido ir de férias durante 20 dias, sem qualquer monitorização, após ter tratado um paciente com ébola. Não, a altivez dos princípios desta douta gente não se direcciona ao facto de os equipamentos usados não estarem conforme as regras de higiene e segurança preconizadas pela OMS. Nada. A raiva, a perplexidade e a superioridade moral destas criaturas é dirigida aos que - por deus, o ultraje! - assinaram uma petição pública em que defendiam - o horror, tomar uma posição pública, onde é que já se viu isto em democracia? - que não se deve abater um animal por uma doença que não contraiu, quando por segurança poderia ser colocado em quarentena.

Dizem estas luminárias, rasgando as vestes pela "inversão de valores e dos princípios", que as pessoas que se manifestaram contra o abate de um cão não mexeram uma palha para lamentar as 4000 mortes de pessoas em África com o vírus ébola. Donde concluem que estas pessoas valorizam mais a vida de um animal do que de 4000 seres humanos. Brilhante, é o mínimo que se me oferece dizer.

Ora bem, talvez não precisasse de explicar isto a seres pensantes, mas se tem mesmo de ser, cá vai:

  • Vamos lá usar um eufemismo: tenho "sérias dúvidas" que conhecessem uma só das pessoas que assinaram a petição ou se manifestaram contra o abate do cão - donde se conclui que falam de quem não conhecem e imputam valores a quem não conhecem;
  • petição pública que tanto os chocou foi desencadeada por um apelo do marido da mulher internada e dono do cão, afinal quem corria mais riscos, digamos que um pouco mais do que esta gente com o rabo alapado num estúdio de gravação em lisboa. Mas ainda assim sentem-se no direito de ditar leis mesmo não conhecendo os manifestantes e não havendo uma só palavra na petição pública que remeta para a equiparação da vida animal à dos seres humanos. Só me resta concluir que a nada mais assistimos do que a uma imputação demagógica de intenções, inferências e generalizações abusivas;
  • Daniel Oliveira e Pedro Marques Lopes vão ao extremo delirante de meter, nesta mesma converseta, o obscurantismo, a negação da ciência e a vacinação de crianças. Para quem tanto acusa - em particular Daniel Oliveira - os outros (sempre os que dele discordam, claro) de demagogia e populismo, não está mal, não senhor.

Nas cabecinhas destes seres moralmente superiores não cabe a ideia de um ecossistema em que seres humanos dependem de animais e vice-versa. Que não há qualquer inversão de valores porque o animal em causa simplesmente não contraiu a doença. O facto de o cão ser assintomático não impede de ter a doença, é um facto. Mas estes que acusam os outros de ignorância e obscurantismo desconhecem que basta um exame para detectar o vírus? Abater sem o testar é que é o objecto de discussão, nada mais.

Mas bom, parece que estas criaturas de superioridade moral óbvia vão ter mais com o que se entreter: em Dallas, o pânico não se parece ter instalado. O cão de uma das pessoas que contraiu a doença foi para local incerto até o dono se recuperar. Nada de abate. E esta, hein?

Párem de colocar questões de saúde em termos morais. Quando muito, coloquem-nas em termos éticos. E aproveitem e apliquem-nas às suas intervenções públicas.

10
Out14

"...muita gente perdeu dinheiro enquanto outros o salvaram"

mariana pessoa

"A revelação pelo Diário Económico de um documento da Direcção-Geral da Concorrência (DGComp), da Comissão Europeia, que prova que o processo que levou à autorização por Bruxelas da utilização de dinheiros públicos na resolução do BES teve afinal início a 30 de Julho confirma, para lá de qualquer dúvida razoável, que os actos preparatórios da operação de resolução são bem anteriores à tarde do dia 1 de Agosto. É certo, a Comissão Europeia, muito solícita, apressou-se a explicar que foi por sua própria iniciativa que deu início ao processo, a título de "monitorização da situação", depois de terem sido divulgados os prejuízos do BES. Só que esta explicação não bate certo. Em primeiro lugar, porque os resultados do BES só foram divulgados depois das dez da noite, hora de Bruxelas, e ninguém acredita que os funcionários da DGComp estejam de vigília aos resultados dos bancos ou andem a fazer noitadas para dar início a este tipo de processos administrativos. Em segundo lugar, porque o documento revelado pelo Diário Económico refere, expressamente, a base legal que serve de fundamento à abertura do processo: o artº 107º, nº 3, alínea b) do Tratado de Funcionamento da União Europeia. Vale a pena ler o que lá está escrito: "Podem ser considerados compatíveis com o mercado interno os auxílios (concedidos pelos Estados) destinados a fomentar a realização de um projecto importante de interesse europeu comum ou a sanar a perturbação grave da economia de um Estado-Membro". O que isto quer dizer é simples: o processo iniciado em Bruxelas nunca foi um processo de mera análise dos prejuízos de um banco. Foi, desde o início, um processo de apreciação da compatibilidade dos auxílios de Estado ao BES com as regras do mercado interno."

 

Pedro Silva Pereira, "Já leu o artigo 107?" - aqui na íntegra.

«As circunstâncias são o dilema sempre novo, ante o qual temos de nos decidir. Mas quem decide é o nosso carácter.»
- Ortega y Gasset

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