Não há armadilha colocada pelo Governo ou por Cavaco em que António José Seguro não caia. Os frequentes apelos ao consenso, repetidos até ao enjoo, já deviam ter inoculado o líder do PS, mas ele parece não aprender, caindo nos braços do primeiro-ministro a um ritmo regular. Se até podemos entender a formalidade do gesto, menos se compreende a encenação que essa formalidade comporta. O discurso do Seguro, a sua estratégia, passa por um afastamento do Governo. Mas a verdade é que poucos acreditam que existam diferenças substanciais entre as propostas do PS e as medidas do executivo. Com estes pressupostos, o que temos vindo a assistir nos últimos dois anos é a uma farsa em que Seguro aparece nas televisões criticando o Governo por medidas que o próprio Seguro irá com certeza manter quando (e se) chegar a primeiro-ministro.
A reunião desta semana, antes do beija-mão a Merkel, é um dos momentos em que a farsa se tornou mais evidente. Depois de três horas à volta de chá e bolinhos, o primeiro-ministro saiu da reunião mudo e calado - e até agora não conhecemos uma declaração do Governo sobre o acontecimento -, enquanto Seguro fez questão logo de dizer que não tinha chegado a entendimento com o Governo, afirmando existirem diferenças insanáveis. Mas não existem, claro, como fez questão de esclarecer, logo no dia a seguir à reunião, Óscar Gaspar, conselheiro económico do PS. O que ele disse, aliás, é uma confirmação daquilo que toda a gente já sabia há algum tempo: o grosso dos cortes em salários e pensões é para manter, não sendo possível uma reversão porque, e cito: "As contas públicas portuguesas não o permitem."
Este momento, definidor, corresponde àquele gesto em que o mágico revela o seu truque. É verdade que foram raras as medidas que Seguro prometeu reverter (e Pacheco Pereira tantas vezes denunciou esta estratégia), mas ver a confirmação de que o essencial é para continuar, preto no branco, decidirá muitas coisas. A começar pelo sentido de voto dos portugueses. Se Seguro irá manter os cortes no rendimento de uma grande parte dos portugueses, para que é que eles se incomodarão a votar no PS? Há, aliás, sondagens que indiciam que, se estiverem em causa políticas de austeridade, os portugueses confiam mais na direita e em Passos Coelho para as aplicar. Desse modo, não se vê como poderá o PS conquistar o voto da minoria de portugueses que defende ou aceita a austeridade - esse voto irá para o PSD (ou para o CDS). E ao reafirmar, de forma consecutiva, que de facto não tem um discurso alternativo a esta austeridade, o PS abdica do voto de protesto e do voto de esquerda contra a actual política de empobrecimento.
A assinatura do Tratado Orçamental e o discurso dúbio de Seguro em relação aos cortes prenunciavam o que agora foi confirmado. Não haverá diferenças substanciais na política de austeridade se o PS chegar ao poder. A armadilha em que Seguro caiu foi esta: o apelo ao consenso que levou à realização da reunião desta semana prendeu-o a um colete de forças do qual ele não quer (ou não pode) livrar-se. Foi uma espécie de rendição voluntária ou de confirmação de uma inevitabilidade. E significa também que, caso o PS não chegue à maioria nas próximas eleições (o mais provável), a coligação será feita com a direita. Estamos esclarecidos. Caberá ao resto da esquerda ser clara nas suas propostas até 2015. O nó górdio não pode continuar a apertar e a destruir a vida dos portugueses.