De repente, do discurso do empreendedorismo, fez-se luz. Tomando o memorando da Troika como o programa necessário à inevitável redução do défice - o Governo pode queixar-se que está de mãos atadas, mas na verdade encontrou o álibi perfeito para a implementação das políticas que tinha perfeitamente delineadas e que escondeu na campanha eleitoral -, houve desde logo uma consequência que nunca foi ocultada, pelo contrário, até assumida, embora com o pudor exigido na altura: é que o desemprego ia disparar.
Pode o número ter galgado para um patamar que nem o próprio executivo fazia prever. No entanto, o cenário foi mais ou menos preparado e daí o discurso do empreendedorismo... e mais ridículo, o da emigração. Passos Coelho, quando se referiu ao desemprego como uma oportunidade, estava a imaginar não um grupo de pessoas que tinha acabado de ficar sem trabalho, mas uma mole humana de empreendedores que, de um dia para o outro, ia trabalhar na maravilha do auto-emprego. Ser patrão de si próprio ou, melhor ainda, gerar emprego para outros.
Quase dois anos depois de ser eleito, o Primeiro-ministro deve estar muito desiludido com os portugueses. Não são os empreendedores que esperava que fossem. São, isso sim, apenas mais um peso para o Estado Social que tanto quer refundar e acabar de vez com esse pão para malucos que só por terem ficado desempregados não sabem o que fazer da vida. Sabem é viver à sombra dos que ainda produzem riqueza, que já é tão pouca.
Numa abordagem esquizofrénica da questão, não foram as políticas do Governo que falharam. Foram os portugueses que não as souberam interpretar. Aproveitar. Dar-lhes corpo. Não se entregaram de alma a este novo desígnio nacional: empobrecermos para se ser competitivo. O plano era genial. Pena é que as pessoas a quem se destinam essas políticas não estejam de acordo com o caminho seguido. E se houve lição a tirar - dito até por comentadores insuspeitos - da manifestação de 2 de Março, é que o silêncio com que se saiu à rua não pode deixar de ser ouvido.
A notícia de Ernest Moniz, norte-americano luso-descendente nomeado por Obama para secretário de Estado da Energia, apareceu em todo o lado. A comunidade portuguesa nos Estados Unidos ficou muito satisfeita. Acredito e é justo. Mas fiquei a pensar: deve haver muita gente no Governo que terá vontade de vir a público dizer Estão a ver? Emigrar tem as suas recompensas!