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365 forte

Sem antídoto conhecido.

Sem antídoto conhecido.

31
Jan13

Impura Reestruturação

David Crisóstomo

 

Maria Luís Albuquerque, Secretária de Estado do Tesouro deu uma entrevista ao Jornal de Negócios no dia a seguir ao 'regresso aos mercados'.  Foi uma longa entrevista, onde foram abordados vários assuntos, incluindo a questão do prolongamento dos prazos dos empréstimos do MEEF (Mecanismo Europeu de Estabilidade Financeira) e do FEEF (Fundo Europeu de Estabilidade Financeira) ao Estado Português.

E foi criativa: 

 

Como é que explica que não estamos perante uma reestruturação da dívida ou um novo programa?

 

(...) Reestruturação pressupõe alteração de condições. A alteração de maturidades é uma mudança de condições. Na pureza dos termos técnicos, é uma reestruturação. Mas como a expressão ‘reestruturação’ passou a ter uma conotação negativa, que implica perda para o investidor, é importante salientar que não é disso que se trata. Porque os nossos credores não vão perder nada. Continuamos a pagar. Aliás, um credor até gosta que a dívida dure muito tempo porque vai recebendo juros, desde que não tenha dúvidas que vai receber o capital no final do prazo. É uma solução pacífica que vamos fazer com os credores privados, através de operações de troca de dívida, e com os oficiais se assim for decidido.

 

Ou seja, permitam-me:

 

O prolongamento dos prazos tem as características duma restruturação? Tem.

Altera os prazos de pagamento da divida? Sim.
Afecta credores? Sim.
Modifica o pagamento dos empréstimos do Estado Português? Sim.
É uma reestruturação? Não.
Porquê? Porque não gostamos da conotação da palavra.

 

Se eu fosse um investidor financeiro, um ser dos 'mercados', não acharia este pensamento muito inteligente. Concluiria aliás que estaríamos talvez perante um governo de pouca confiança, com pouca credibilidade.
A Secretária de Estado do Tesouro da República Portuguesa acha que prolongar prazos de empréstimos não é uma reestruturação. Ignora certamente que cerca de 68% das reestruturações de divida pública feitas nos últimos 37 anos limitaram-se exclusivamente a alterações na maturidade dos empréstimos (Sovereign Defaults: The Price of Haircuts). Acha que esta acção do Estado Português é coisa que agradaria a qualquer credor, em que toda a gente fica satisfeita, um win-win. 

 

E ficamos nisto. O ministro das Finanças disse outrora que não mentia, não enganava, não ludibriava.
Parece que o governo a que pertence apenas aldraba.

 

(recomenda-se também vivamente a leitura da crónica no jornal I do Pedro Nuno Santos, que me chegou às mãos via o Nuno Oliveira)

 

P.S. - Queria que a minha primeira posta neste blogue fosse algo mais desenvolvido, mas face a esta beleza linguística não resisti. Aproveito para agradecer o convite que me foi endereçado pelos agora meus pares de escrita, todos muito mais brilhantes do que eu. É claramente uma honra ser um dos 'fortes' e procurarei estar à altura da toxicidade da casa. 
31
Jan13

Pimenta na língua

Pedro Figueiredo

Havia uma certa curiosidade em saber no que ia dar a reunião da Comissão Política Nacional do Partido Socialista. Deu para perceber logo à entrada dos intervenientes na sede no largo do Rato que não ia correr muito bem. Para o PS. E facilmente se explica porquê. O porta-voz do partido, João Ribeiro, fez a seguinte a declaração: «É uma deslealdade nunca vista. Costumávamos assistir a isto no PSD, mas no PS não havia registo histórico».


Num momento particularmente especial para o PS, como de resto para todo o país, o porta-voz do partido fala em deslealdade interna - algo que o líder também já tinha feito -, esquecendo-se por completo que não estava a falar aos militantes dentro de casa e sim aos portugueses. Que vêem televisão, ouvem rádio e lêem jornais. Que imagem passou ao país do seu próprio partido.


O que terá passado pela cabeça quando disse o que disse, só o próprio saberá. No entanto, não parece é que encontre justificativo para semelhante declaração que, pior ainda, chegou taxativamente a comparar o PS com o PSD. Da próxima vez que alguém do núcleo duro de Seguro ou mesmo o próprio secretário-geral do PS, falar em diferenças entre o PS e o PSD, é legítimo recordar este episódio, resumindo o pensamento público ao já velho e popular "é tudo a mesma coisa".


Pode ter funcionado internamente para 'segurar' Seguro, passo a redundância, e tentar tirar Costa do caminho com um ataque pessoal tão mesquinho quanto injusto. Mas foi um autêntico processo quimioterapêutico: derreteu a concorrência e manchou o partido.


Este tipo de declarações são a prova que esta direcção nunca esteve nem jamais vai estar preparada para ser alternativa. Como, de resto, Passos provou ao PSD e ao país. Só reforçam os argumentos de quem quer, dentro do PS, uma outra solução.

30
Jan13

McNamara a presidente

Catarina Pereira

Garrett McNamara já fez mais por Portugal do que alguns ministérios juntos. Estamos em capas de jornais internacionais e em noticiários de estrelas televisivas graças a uma onda surfada por este norte-americano, pago a peso de ouro para vir à Nazaré desafiar a coragem humana.

McNamara e o fotógrafo Tó Mané não são heróis, mas quase. Por alguns dias, não somos notícia pelos cortes, pelos impostos, pelas declarações de ministros e presidentes. Somos notícia por causa de uma imagem, de uma bela imagem, arrepiante, única, que cativa.

Dir-me-ão que não é um grande feito, que não resolve a crise, a maldita crise, ou lá como é que chamam a esta brincadeira dos senhores que mandam. Claro que não. Amanhã já ninguém se lembra disto. Mas qual onda? Garrett quê? Onde fica a Nazaré mesmo?

Mas sabe-me bem, o que hei-de fazer? Talvez por já não estar habituada a relacionar-nos com boas notícias. Talvez porque não tenho paciência para birras socráticas no PS, manifestações anti-porcos na Avenida da Liberdade ou previsões optimistas do rei mago das metas falhadas.

Talvez porque aquilo que não me apetece mesmo, mesmo, é olhar para o recibo de vencimento deste mês. Venha a onda, venha depressa.

 

29
Jan13

O triunfo do islandismo

Pedro Figueiredo

Quando, em Setembro de 2008, o Lehman Brothers faliu e em dois dias foram retirados 150 mil milhões de dólares de fundos de investimento dos Estados Unidos, o mundo susteve a respiração. Era só o princípio do conhecimento público de um colapso que viria a ter dimensão planetária, já que desde 2007 que a crise do subprime tentava sair das catacumbas do sistema financeiro. Apesar de todas as tentativas feitas para estancar a hemorragia, houve um país que foi deixado a sangrar pelo estado lastimável que os fundos tóxicos deixaram a sua economia, até então considerada como um exemplo de sucesso: a Islândia.


A dívida dos três maiores bancos afectados correspondia, à altura, a dez vezes o PIB islandês. A verdadeira dimensão da desgraça deu-se ali. Implodiu a máquina que movia a vida dos islandeses, desde sempre concentrados em actividades do sector primário, mas que com o boom da banca de investimento se tornou numa plataforma de yuppies do século XXI. O desespero foi tal que começaram a incendiar os próprios Range Rovers topo de gama só para poderem ser indemnizados pelas companhias de seguro, já que nem o vizinho lhes podia comprar o carro. E quando falo em vizinho, na Islândia, refiro-me ao país inteiro. Naquela ilha, a ordem alfabética da lista telefónica é pelo nome próprio e não pelos apelidos familiares.


O "dono" do MacDonald's teve de encerrar o seu franchise porque ficava mais barato oferecer whisky aos clientes nos menus do que as simples batatas fritas, que tinha de mandar vir da Alemanha a preços, de repente, de verdadeiros produtos de luxo.


Neste cenário, havia quem duvidasse seriamente do futuro económico e financeiro do país. O FMI entrou com pinças no território - muitas destas histórias foram mesmo contadas pelo enviado especial daquela organização à Islândia - e começou a fazer bem as contas. Com uma desgraça daquelas, o resgate duraria largas décadas.


Naquele ambiente infernal, não foi difícil manterem a cabeça fria pelas baixas temperaturas a que sempre estiveram habituados. Já que estavam entregues à própria sorte, decidiram começar do zero. Perguntar a quem iria sofrer a austeridade, o que devia ser feito. E, em referendo, fizeram uma escolha: tratar primeiro do próprio resgate e só depois o dos bancos. Qual risco epidémico, qual quê. Por Thor, partiram para a blasfémia financeira. Ou como escreveu Halldór Laxness no seu Gente Independente: «Não se deixar eternamente escravizar pelo mesmo ladrão».


O problema é que no meio do turbilhão da banca estavam, entre outros, depositantes ingleses e holandeses que nunca estiveram preocupados com a verdadeira origem dos lucros que geravam os traders islandeses. Podia até ser dinheiro ganho no jogo do bicho como no tráfico de órgãos humanos. As long as the cash still flows...


A notícia de ontem marcou, de alguma forma, a agenda financeira mundial. Como não podia deixar de ser. E se mais notoriedade não teve foi porque, provavelmente, não interessa que a decisão da EFTA seja divulgada, não vá outros países decidirem copiar os maus hábitos islandeses, que apenas beneficiam a própria população em primeiro lugar.


Mas o triunfo do islandismo não se deu, apenas, no plano financeiro. Os islandeses decidiram criar uma nova Constituição. De base popular. Pelas palavras da parlamentar islandesa Birgitta Jónsdóttir, percebe-se o alcance do novo texto: «Acredito que as nossas democracias foram sequestradas por burocratas. Não quero que a nossa nova Constituição seja contagiada pela linguagem deles. O tempo deles acabou e não podem fazer nada para o impedir». Democracia directa. Um palavrão que para muita gente pode custar a entrar nos ouvidos.


Pode especular-se a propósito da singularidade do caso islandês. Que não se consegue replicar em mais nenhum outro lado do mundo. É verdade. O que aconteceu na Islândia foi incomparável. Mas há uma lição do islandismo que se pode tirar e que é aplicável a todo Mundo: é que por mais que nos mostrem e provem (mesmo com números e cálculos matemáticos complexos que só a Goldman Sachs e a JP Morgan conseguem explicar) há apenas uma inevitabilidade conhecida pelo Homem: a morte.

26
Jan13

Tecido de malha grossa

Pedro Figueiredo

De repente, deixou-se de ouvir falar em "inovação" e passou a bater-se na tecla da revitalização (gosto particularmente mais da expressão "sacudidela", neste caso) do tecido empresarial português. Algo que me fez voltar a dar uma vista de olhos na biografia de Alfredo da Silva. O homem que fez o Barreiro mais do que triplicar a população local entre 1900 e 1930, quando Lisboa no mesmo período não chegou sequer a duplicar em termos demográficos.


É claro que Alfredo da Silva pode ser considerado uma excepção. Mas houve outras excepções em Portugal, como Calouste Gulbenkian, obra da qual sinto um enorme orgulho por estar em Portugal. Quase tanto orgulho como tenho no hino e na bandeira nacionais, sem os arrepios. E esta é a parte em que me podem acusar de fascista.


Mas há o reverso da medalha. E voltando ao exemplo de Alfredo da Silva e da sua CUF, é curioso perceber o que a unidade fabril do Barreiro colocava à disposição dos seus funcionários... em 1945 (para se perceber o enquadramento histórico): um posto médico, campo de jogos, um cine-teatro, dispensa económica, vários refeitórios económicos para os trabalhadores, e um hospital, que já estava planeado no ano da sua morte (1942), mas só acabou sendo concretizado em 1945. Para não falar no facto dos salários pagos pela empresa estarem bem acima da média nacional.


 

 

23
Jan13

A artificialidade do sucesso

Pedro Figueiredo

A imagem mais caricata que vi sobre o regresso de Portugal aos mercados de dívida pública foi dada pelo nosso Vega9000 no Twitter: "O Gaspar vai-se gabar de já andar na bicicleta dos mercados sem mencionar as rodinhas do BCE." O entusiasmo e a crença em verificar que os mercados acreditam na política austera, mas de rigor, seguida pelo Governo fazem temer o pior: agora é que não aceitam mesmo críticas ao caminho percorrido, como sendo este o da indubitável salvação.


Não há dúvida que é um sucesso os juros com que Portugal conseguiu colocar dívida no mercado, mas isso não significa que o sucesso não seja artificial. As rodinhas do BCE não colocam o país pronto para uma volta à Encarnação em bicicleta, quanto mais para um Tour.


Em vez de celebrarem o sucesso de algo que nem devia acontecer - contracção de mais dívida por parte do Estado - e caírem no ridículo de considerar o crescimento económico como epifenómeno de uma farsa financeiradeviam preocupar-se em perceber como é possível a situação ter chegado a este vergonhoso ponto [ver vídeo no link em baixo]


Crianças vendem senhas do almoço para darem dinheiro aos pais

22
Jan13

"Não pediremos mais tempo nem mais dinheiro" (ai afinal não)

mariana pessoa
22
Jan13

Mau tempo

A coisa começou há muito: Funcionários públicos incapazes e carregados de privilégios, pensionistas pouco mais que sobas, jovens a estudar para serem nada. Um desperdicio, um regabofe, uma orgia insana de dinheiro dos contribuintes a escorrer pelas paredes caiadas a ouro das casas compradas a crédito. Nenhuma desta gente vergou as costas, não mostraram submissão, não passaram fome e assim perderam o toque humilde que tão bem os caracterizava quando o doutor Salazar os olhava do retrato oficial. 

O chapéu à frente agarrado com as duas mãos fechadas sobre as abas.




21
Jan13

Isabel Jonet do ambiente

Catarina Pereira

Fátima Matos Almeida, presidente da mais ou menos desconhecida Associação Portuguesa de Educação Ambiental, defende que «a crise actual vai ajudar os nossos propósitos ambientais».


Diz a senhora dona Fátima, citada pela Agência Lusa, que a austeridade «vai obrigar as pessoas a repensarem as suas prioridades, os seus consumos e desperdícios», mas também a «encontrar outro caminho de convivência com a Natureza».


E tem roda a razão.

 

Com a crise, por exemplo, podemos passar a conviver com a Natureza ficando sem casa. Como os sem-abrigo gregos ou os despejados espanhóis.

 

Com a austeridade, por exemplo, podemos deitar para o lixo menos embalagens de bifes ou até - ideia brilhante, preparem-se! - escusamos de mandar as crianças para a escola com um pacote de sumo e um pão para o lanche, como no meu tempo, em que se vivia claramente acima das possibilidades. O plástico faz mal ao ambiente, como sabem.

 

Repensemos, então, as nossas prioridades. A minha passou a ser nunca contribuir com um tostão para a Associação Portuguesa de Educação Ambiental. 

Pág. 1/3

«As circunstâncias são o dilema sempre novo, ante o qual temos de nos decidir. Mas quem decide é o nosso carácter.»
- Ortega y Gasset

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