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O constitucionalista Jorge Miranda considerou ser inoportuna uma revisão constitucional para se mexer nas funções sociais do Estado. Acrescentaria que para além de inoportuna seria mesmo altamente perigosa. Por dois motivos de força ainda maior:
1) Se a Constituição ainda é o último baluarte de algumas garantias dos cidadãos – apesar de haver quem considere o Tribunal Constitucional uma força de bloqueio à governabilidade desta coligação –, imagine-se o que seria ver estas propostas sociais suicidas sem qualquer entrave legal à sua implementação.
2) Alguém reconhece, nas actuais lideranças partidárias, a necessária maturidade política para levar a cabo uma revisão constitucional?
Ainda bem para o país, nesta matéria, que não há qualquer possível entendimento entre os intervenientes para tal missão. O país finalmente fica a ganhar em alguma coisa nesta crise. Ainda que uma revisão constituicional seja tão necessária como urgente, mas nunca em cenários como este.
Draghi põe o dedo na ferida: "Muitos Governos não perceberam que perderam soberania há muito tempo"
Eu diria que a chatice não é que esse seja “apenas” um problema dos governos, é também dos povos. E acrescentaria ainda que o que se perdeu de soberania (que vai bem para além das questões de finanças correntes) também pode ter sido aceite no pressuposto de que existiria um trade-off que teria, do outro lado, um nível razoável de solidariedade entre estados que afinal, agora, parece que nunca existiu - ainda que, até 2009, povos e mercados tenham sido levados a pensar o contrário.
Ao mesmo tempo que se zurze a “irresponsabilidade” dos governos locais, há um aparelho soberano na União que penaliza, multa, castiga os Estados por estes, por exemplo, não terem investido (ainda) mais em áreas consideradas chave (como as infraestruturas de transportes). Olhando isoladamente para algumas notícias que nos vão chegando da “Europa”, a esquizofrenia daquilo em que a União se consolidou ser nos últimos anos, deixa à nora qualquer comum cidadão europeu que procure entender.
Quando me parece evidente que o anterior governo do PS (ou uma parte determinante dele) percebeu tarde demais a real magnitude do problema nacional e quando, apenas agora, o atual governo se decidiu a estudar a organização do Estado, retenho que se estão a repetir erros inaceitáveis e extremamente onerosos na governação do país, governo após governo. Sendo certo que o atual governo me parece o mais impreparado de sempre, não é de todo característica exclusiva deste, o cometimento de erros políticos fulcrais, patrocinados por um completo desfasamento com a realidade ao momento e futura do país.
Nos próximos dias, semanas e meses – na sequência aliás de artigos anteriores neste mesmo novíssimo blogue - haverá imensas oportunidades para separar as águas, identificar as alternativas nesta era onde por maiores que sejam as restrições, não deixará de haver interesses distintos, conceções ideológicas distintas e, como tal, formas distintas de aplicar e conceber o Estado e chegar à meta que os eleitores venham a sufragar.
Por acaso, Pedro, sou dos que acho que essa tua ideia de refundar o acordo com a troika é capaz de ser muito boa. Afinal, o teu partido “identificava-se” com o memorando, que considerava como o seu programa, e acredito que estejas com muitas saudades do entusiasmo do PSD com este, o mesmo entusiasmo que te fez ir “mais além”. Bons tempos, não eram?
Está na altura de recuperar esses bons tempos de esperança, de dar um novo alento ao país, de reafirmar a confiança que os cidadãos em ti depositaram.
Tenho por isso uma proposta para te fazer: a melhor maneira de refundar o acordo com a Troika, de recuperar esse entusiasmo dos primeiros tempo, é ires a eleições. Agora, o mais rápido possível, antes do orçamento. No fundo, renovar os votos com o eleitorado, que anda ultimamente tão distante e não te compreende. Tens de ganhar de novo o entusiasmo perdido da população com a explicação dos teus sucessos. De como reduziste a despesa. De como a balança comercial está positiva, e o grande sucesso que isso representa. Da gente competente que tens à tua volta, do génio das finanças Gaspar, das contas certinhas e modelos infalíveis, ao astuto Álvaro, a descobrir oportunidades onde mais ninguém as vê, ao incansável Relvas, o exemplo de honestidade. De caminho, explicas muito bem explicadinho aos eleitores o que entendes por “reformular as funções do estado”, o teu plano para o crescimento, as tuas implacáveis negociações com a troika, as tuas intermináveis viagens por essa Europa fora a defender o país com unhas e dentes. Tens o pin à lapela, homem, sinal que és um patriota. Acredita, não falha. Não pode falhar.
E no final, com a legitimidade renovada que apenas a vitória eleitoral permite, podes então considerar o acordo “refundado”. És um tipo de coragem, tu próprio o dizes, e os tempos não estão para fracos. Vamos a isso?
O tiro de partida foi dado por Vítor Gaspar: "Existe aparentemente um enorme desvio entre o que os portugueses acham que devem ter como funções do Estado e os impostos que estão dispostos a pagar". Hoje, Pedro Mota Soares reconhece que a principal fatia de despesa do Estado é feita em prestações sociais e salários. É caso para perguntar onde andou o hoje Ministro quando, membro do defunto partido dos contribuintes, jurou insustentável um aumento de impostos. Era cortar nos post-its e nos agrafes e demais economato do Estado e tudo ficaria resolvido.
Na falência da narrativa das despesas intermédias do Estado, agora a narrativa central parece outra. Por estes dias, o argumento novo-velho é o de que o Estado Social não é sustentável. Na verdade, foi sempre esse o objectivo. Um estado low cost, com uma saúde low cost (daquelas em que se hesita fazer diálise a quem tem mais de 65 anos), protecção no desemprego era só o que faltava (de preferência penalizando as reformas de quem já esteve desempregado, caminho apontado pelo inefável Carrapatoso nesse forum eufemístico chamado Mais Sociedade), com educação low cost(de preferência fazendo de todos os pobrezinhos carpinteiros e picheleiros no final do 9º ano).
Tinha que ser este o início da minha participação neste blog. As malas (ainda) não as minhas, mas as muitas que se fazem por este país fora, onde se levam as saudades de quem fica, mas não da vida que fica, e, sobretudo, a esperança de um futuro.
E nem falo só dos que saem por terem conseguido fora um emprego com condições e salário melhores do que têm cá, mesmo que para isso tenham de deixar a família para trás. Falo também dos que partem, às vezes diretos das universidades, sem nada em vista, dispostos a trabalhar no primeiro emprego que conseguirem, a viverem como conseguirem.
Que melhor maneira de começar do que com Sophia?
Nestes últimos tempos
Nestes últimos tempos
É certo que a esquerda fez erros
Caiu em desmandos confusões praticou injustiças
Mas que diremos da longa tenebrosa e perita
Degradação das coisas que a direita pratica?
Que diremos do lixo do seu luxo - de seu
Viscoso gozo da nata da vida - que diremos
De sua feroz ganância e fria possesão?
Que diremos de sua sábia e tácita injustiça
Que diremos de seus conluios e negócios
E do utilitário uso dos seus ócios?
Que diremos de suas máscaras álibis e pretextos
De suas fintas labirintos e contextos?
Nestes últimos tempos é certo que a esquerda muita vez
Desfigurou as linhas do seu rosto
Mas que diremos da meticulosa eficaz expedita
Degradação da vida que a direita pratica?
Sophia de Mello Breyner Andresen - Julho de 1976
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