A intervenção de Pacheco Pereira na conferência Em defesa da Constituição, da Democracia e do Estado Social
(...) não se espere de mim nem a mais pequena palavra de justificação por aqui estar. Bem pelo contrário. Farei a muitos a pergunta Porque razão não estão cá. (...)
Acima de tudo, custa-me a ideia de que o papel dos que aqui estão seja apenas defender, como se estivessem condenados a travar uma luta de trincheiras. Não, os que aqui estão não estão a defender coisa nenhuma mas a atacar. A iniquidade, a injustiça, o desprezo, o cinismo dos poderosos para quem a vida decente de milhões de pessoas é irrelevante, é entendida como um custo que se deve poupar.
A transformação da palavra austeridade numa espécie de injunção moral que serve para um primeiro-ministro, apanhado de lado pelo sucesso dos celtas que muito gabava, sorrir cinicamente para nos dizer que a lição desses celtas e da Irlanda é que ainda precisamos mais austeridade, ainda precisamos de mais desemprego, ainda precisamos de mais pobreza. E o pior de tudo é que, ao dizer isto, sorri muito contente consigo mesmo.
O discurso de contínua mentira e falsidade, que nos diz como se fosse uma evidência, que as empresas ajustaram, as famílias ajustaram, só o Estado não ajustou, como se as três entidades fossem a mesma coisa e o verbo ajustar significasse o retorno a uma espécie de estado natural das coisas que só o vício de querer viver melhor levou os portugueses a abandonar.
Na verdade, pode-se dizer que as empresas ajustaram. Sim, algumas ajustaram. Mas a maioria ajustou falindo e destruindo emprego que é, para quem não tem outra coisa, a sua única propriedade e o seu modo de vida. As famílias não ajustaram, empobreceram. E estão a empobrecer muito para além daquilo que é imaginável. E tem que ouvir como insulto os méritos de perderem a casa, ou o carro, ou a educação para os seus filhos e o valor moral de deixarem de comer bife e passarem a comer frango. (...)
E é para não termos esse remorso que estamos aqui. Não à defesa, mas ao ataque. Ao ataque por todos os meios constitucionais, por aquilo a que chamávamos no passado e cada vez mais - e muitas vezes nos esquecemos - a nossa Pátria amada.