Da surrealidade
"O que posso dizer é o princípio pelo qual eu normalmente me rejo nestas situações: faço uma avaliação cuidadosa, recolhendo o máximo de informação sobre os custos de um orçamento não entrar em vigor no dia 01 de janeiro e os custos que resultam de eventualmente uma certa norma ser considerada inconstitucional já depois de o orçamento estar em vigor"
Acima cito o supremo magistrado da nação. O que, como é descrito no artigo 120º da CRP, garante da independência nacional, a unidade do Estado e o regular funcionamento das instituições democráticas. Parecendo que não, é ele. É ele que nos revela as suas prioridades quando lhe chega à Rua de Belém um projecto de lei do qual há dúvidas sobre a sua constitucionalidade. Primeiro vê quanto é que custará tal diploma ser declarado ilegal e depois logo decide se exerce o dever para o qual foi eleitoralmente mandatado. Ou seja, se à escrivaninha de Aníbal Cavaco Silva chegar uma proposta de Orçamento de Estado que contemple um confisco de todos os salários da função pública ou que determine o encerramento sine die de todos os hospitais, universidades, centros de saúde e escolas públicas, sua excelência o Presidente da República promulgará tal diploma e depois, se estiver para aí virado, solicitará a fiscalização sucessiva da constitucionalidade de tais normas. Melhor: se o governo decidir nesse mesmo orçamento suspender o financiamento do Tribunal Constitucional, Cavaco Silva nada fará. O Presidente está, com declarações deste género, a clarificar uma já presumida e aterradora carta branca ao governo português: 'ponham lá o que quiserem, não serei eu a impedir que o orçamento entre em vigor'. Isto é, o represente da república portuguesa clarifica a sua inutilidade para a protecção dos princípios inscritos na lei fundamental do país. Não quer chatear nem ser chateado. Quer 'acabar o mandato com dignidade'. Com a dignidade de quem trai a república, de quem trai os portugueses, de quem trai o juramento que outrora fez:
Juro por minha honra desempenhar fielmente as funções em que fico investido e defender, cumprir e fazer cumprir a Constituição da República Portuguesa.