Os portugueses sabem isso
"Aqueles que pensavam que o CDS-PP e o PSD não seriam capazes de levar até ao fim este mandato de Governo, que é um mandato do interesse nacional, hoje sabem que não existe nenhuma maneira de estes dois partidos não cumprirem o seu mandato e não levarem o Governo até ao fim. Os portugueses sabem isso", afirmou Pedro Passos Coelho.
Faço parte duma geração que nasceu e confortavelmente cresceu sempre em democracia. Sempre usufruí da escola pública e do serviço nacional de saúde, sempre fui e me senti europeu, sempre olhei para a ausência de um Estado de Direito como algo para sempre ultrapassado. Sempre foi assim. E, talvez inocentemente, muitos de nós sempre assim pensámos. Que tudo isso era normal. O país e o seu regime politico tinham as suas falhas, mas estas, com o tempo, iam sendo corrigidas e colmatadas. Para sempre assim seria. Era o curso natural.
Hoje li que o Primeiro-Ministro da República Portuguesa, o mesmo que já produziu inúmeras declarações dignas do mais básico populista, afirmou que era impossível que o seu governo caísse. Afirmou que não existiria nenhuma maneira de o seu governo, que classifica como sendo de 'interesse nacional', não cumprir o seu mandato, de não ir "até ao fim". Li e espantei-me. Podemos achar que, dada a proveniência da alarvidade, tais palavras já não deviam surpreender ninguém, deviam ser encaradas como 'expectáveis'. Discordo. Ao contrário do que certas eruditas figuras têm vindo a declarar, os tempos que vivemos não são assim tão excepcionais. Não são tão excepcionais para que um Primeiro-Ministro eleito da República Portuguesa diga, do alto duma tribuna, que o seu governo é imparável e inabalável. Para que um Primeiro-Ministro eleito da República Portuguesa passe um atestado de impotência à Presidência da República e à Assembleia da República, declarando que estas não possuem a capacidade de demitir o seu governo. Para que um Primeiro-Ministro eleito da República Portuguesa faça proclamações totalitárias. Em democracia, um governo pode sempre ser demitido. Sempre. Passos Coelho acha que está acima disso, que por o seu governo ser de 'interesse nacional', o regime nacional pode ser atropelado. Eu conheço regimes nos quais não existe nenhuma maneira de um governo cair. Mas não são democracias. E assusta-me que o Primeiro-Ministro do meu país não saiba, aparentemente, como é que tais regimes foram criados e justificados. Ou pior, que saiba.