Pelo fim das campanhas pró-voto...
«Political correctness is tyranny with manners.»
Charlton Heston
Entranhou-se no âmago nacional que os elevados - note-se a natureza relativa do conceito - níveis de abstenção são motivados por uma marcada preguicite lusitana que está bem marcada no nosso código genético. [O conceito ainda mais relativo se torna, se atentarmos, por exemplo, à elevada abstenção técnica em Portugal, comparativamente às democracias ocidentais, mas esqueçamos este pormenor.]
Só assim, se pode compreender as inúmeras campanhas (e opiniões) que pululam em períodos que antecedem as eleições, particularmente nas autárquicas, legislativas e presidenciais. Estas campanhas, ao invés de procurarem promover a discussão plural em torno das causas que levam a elevados níveis de abstenção, apresentando possíveis soluções advindas dessas tais discussões, cingem-se em promover uma certa infantilização do eleitorado e em lançar um bafiento pretensiosismo, imputando-se maniqueistamente ao eleitor um qualquer dever moral de exercer o voto. O conceito não é original e já foi partilhado por Cavaco Silva da forma mais néscia possível. A título de exemplo: (i) "votar é um dever" e (ii) "quem não votar perde legitimidade para depois criticar as políticas do Governo". Em suma, uma espécie de campanha dos cidadãos impolutos contra os cidadãos sem escrúpulos, os sociopatas ou, na melhor das hipóteses, contra uns randianos da Ocidental Praia Lusitana.
O (in)sucesso [das campanhas] está à vista, mas ainda se continua a insistir na mesma (infrutífera e banal) receita, ao invés de se optar pela discussão - que tem que passar das portas de certas Universidades - sobre as causas concretas da insatisfação do eleitorado para com o sistema eleitoral e para com o sistema político-institucional nacional e europeu, sobre o papel dos órgãos de comunicação social enquanto "lubrificadores" da democracia e sobre a dissonância entre o Estado que se tem – se vai tendo?! - e o Estado que a maioria dos cidadãos eleitores pretende e como confrontar essas vontades da maioria com determinados constrangimentos externos, como cedências de soberania a outras instituições.
Daqui decorre a necessidade de lançar um apelo pelo fim das campanhas pró-voto. Tal não se justifica somente pela sua ineficácia histórica, pelo esporádico âmbito temporal, pelo maniqueísmo implícito da sua mensagem e pela sua tentativa de modelação social, mas sobretudo pelo seu caráter contraproducente.