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365 forte

Sem antídoto conhecido.

Sem antídoto conhecido.

07
Ago13

A forja

David Crisóstomo

 

Eu ainda me lembro como era. Grande parte do país tem uma memória com a capacidade do senhor Secretário de Estado do Tesouro, mas eu ainda me lembro de 2006, de 2007, 2008 ou 2009. Ainda me lembro da 'asfixia democrática'. Ainda me lembro do 'temos um governo que quer controlar a comunicação social'. Ainda me lembro da coitadinha da Manela, a da TVI, mártir da causa dos asfixiados, que às Sextas-feiras Santas atacava a besta. Ainda me lembro da outra Manela, a do 'a crise do subprime não passa dum abalozinho', a reclamar que aqui a pátria necessitava urgentemente duma "Politica de Verdade". Ainda me lembro das petições dos escritores amordaçados, dos manifestos indignados com a manipulação governamental, das manifestações pela liberdade de expressão, e de associação, e de pensamento, e do Correio da Manhã. Ainda me lembro do Paulo Rangel aos berros em Bruxelas contra os atentados ao Estado de Direito que se faziam em Lisboa. Ainda me lembro de Miguel Relvas como porta-voz da oposição.

Foram anos disto. Anos deste espectáculo, onde o alegado pior governo do século XXI da democracia da República de sempre era acusado de nos atirar dados manipulados e falseados sobre a sua administração. Que tinha que haver mudança, que isto não era uma sociedade moderna, que não havia transparência alguma, que vivíamos pior que na Serra Leoa. Enfim, que estávamos perante um grandessíssimo lamaçal. Que era necessária 'gente séria'. Era urgente que a 'gente séria' entrasse em acção. Era necessário que a 'gente séria' tomasse as rédeas da nação.

 

 

Passaram uns anos. Estamos em 2013. A 'gente séria' já leva 2 anos de governação. Miguel Relvas já se demitiu na sequência dum 'não-assunto' e, por falta de força anímica, foi olimpicamente achincalhar a língua portuguesa para o Rio de Janeiro. Vítor Gaspar, outrora guru da numerologia, lá se demitiu (à 3ª foi de vez), deixando em testamento uma assunção de erros de politica que envergonhariam a mais insignificante das criaturas. A mais significante das criaturas, Paulo Portas, já foi tudo e mais alguma coisa: defensor dos contribuintes ou subscritor do maior aumento de impostos de que há memória, mártir dos pensionistas ou elaborador do mais recente corte nas pensões, maior critico interno da governação do Pedro, pai e cidadão, ou chefe de governo em funções. Portas já irrevogavelmente se demitiu, abandonou os Negócios Estrangeiros, revogou a sua demissão e adoptou os Negócios com a Troika. De senhor das Necessidades para senhor das Laranjeiras. Em nome dos laranjas, Luís Marques Guedes, Secretário de Estado promovido a Ministro das conferências de imprensa, já apelidou o partido de Paulo Portas de 'partido da oposição', já brincou com a astrologia da crise politica provocada pelos seus colegas governamentais e já admitiu que o seu Governo respeita mais os cidadãos que não fazem greve. Numa greve de cidadãos pouco respeitosos, Nuno Crato clarificou que está-se nas tintas para o bem estar dos alunos: o sultão da exigência, o supremo magistrado contra o facilitismo, autorizou a realização daquele que foi provavelmente o exame menos rigoroso deste século. Ainda neste século, Berta Cabral descobriu que já gosta da austeridade e foi para a Defesa Nacional. Agostinho Branquinho, depois de ter estudado as entranhas da Ongoing, voltou como Secretário de Estado da Segurança Social. O ex-Secretário de Estado da Segurança Social (e da Solidariedade, já me ia esquecendo, da magna Solidariedade), Marco António Costa obteve o cargo de coordenador permanente da comissão política nacional do PSD, onde poderá andar a sussurrar aos candidatos sociais-democratas da nação 'o partido ou o país, escolhe'. A escolha de Rui Machete para chefe da diplomacia nacional não poderia ser melhor. Após ter sido criticado e desprezado pelos embaixadores norte-americanos em Lisboa, Rui 'podridão' Machete vai agora negociar o estatuto futuro da Base das Lajes. E, como bónus, ganhou um bónus chorudo nos meandros da casa mãe da direita nacional que é o BPN, por onde outrora passou. Quem também vinha do BPN era o Franquelim Alves, o ex-Secretário de Estado da Inovação, Investimento e Competitividade, linda secretaria, e deixou-a tão cedo, nem cinco meses lá esteve. Foi como sua excelência, o ex-Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação, Francisco Almeida Leite, (substituído por uma figurinha que nem o inglês domina) que do DN matutou pelo Pedro Passos até, passo ante passo, alcançar o tacho, uma recompensa pela presença assídua aqui na blogosfera. Da blogosfera veio também o senhor Secretário de Estado Adjunto do Ministro Ajunto, o Dr. Pedro Lomba, que tem feito pela imprensa o que a Sofia Galvão fez pela sociedade civil: com os seus briefings alegra toda uma população, atrapalhando-se em trapalhadas e levando os seus colegas de governo a rezarem para não serem convidados para com ele briefarem. Mas a ideia dos briefings (quiçá em on, quiçá em off) veio do sabichão de Florença, o mestre Miguel Poiares Maduro, o consensualizador da burgo, aquele que considera que "um dos grandes problemas em Portugal é que tudo é contestado". Mas não o contestemos, afinal ele é só mais um entre muitos. O Álvaro, o que combatia o 'coiso', o que teve um Secretário de Estado que se demitiu por não conseguir contrariar o alegado 'lóbi' da energia, já foi comer pasteis para outras paragens. O Mota Soares está empenhadíssimo em revelar os nomes de todos esses vagabundos que recebem o Rendimento Social de Inserção, essas sanguessugas da sociedade e do erário público. A Paula Teixeira da Cruz continua dedicada a acabar com a impunidade (está cheia de trabalho, coitada) e em aprovar medidas inconstitucionais. E de medidas inconstitucionais está este governo cheio. É a inconstitucionalidade personificada. E foram as inconstitucionalidades que mais lixaram Gaspar. Mas Maria Luís, a sua sucessora, não se deixa intimidar. Maria Luís enfrenta tudo e todos. O 'mais bonito ajustamento' está correr mal? Ora, botem mais 4,7 mil milhões de cortes, para a economia ficar ainda mais purificada. O Portas, o seu novo supervisor, não gosta desse número? Pronto, dizemos que são 2 mil milhões e depois logo se vê. Há um escândalo com swaps? Boa, dá para enterrar o PS um poucaxinho, os abutres que acordem então. Há responsáveis dos swaps no governo? Olho da rua com eles. Excepto com ela própria, que é muito competente e séria. Tão séria que mente, aldraba e ludibria um parlamento. 'Não sei nada disso dos swaps. Quer dizer, sei, mas o governo anterior não avisou ninguém. Quer dizer, avisou, mas não me avisou a mim, fiquei desinformada. Quer dizer, fui avisada e informada, mas a informação era pouca e incompleta. Quer dizer, havia muita informação, mas ela não estava tratada e, indignem-se, eu tive que pedir por ela. E o governo anterior não me deixou nenhuma solução. E não vejo o mal em ter ignorado o tópico durante 2 anos. E não me chame mentirosa, mentirosa é você que mente ao apelidar-me de mentirosa'. E da Maria Luís chegamos ao seu sucessor na Secretaria de Estado do Tesouro, o Dr. Joaquim Pais Jorge. E que tesourinho deprimente nos foram arranjar. Parece que em tempos passados, os da asfixia democrática, este humilde servo andou a tentar impingir uns swaps manhosos do Citigroup ao responsável por todos os males do país. E o Sócras, o descarado, rejeitou a oferta. Três vezes. Pais Jorge, que a principio nos relembrou de como o Alzheimer atinge aqueles que nos estão mais próximos, acabou por ter uma epifania e admitir que sim, que tinha estado presente nas três reuniões com os assessores do asfixiador de democracias. E ontem, num Lombriefing, voltou a confirmar as suas três peregrinações a São Bento, mas "as responsabilidades relativas à conceção, elaboração e negociação de produtos derivados" não eram com ele. Ele apenas tratava do 'relacionamento com os clientes'. Mas não lhes vendia nada. Nada. Nada mesmo.

E neste nada, apareceu hoje o Ministério das Finanças indignadíssimo por, aparentemente, a SIC ter mexido com os slides da apresentação oficial, acrescentando-lhe um organigrama manhoso onde figura o inocente Pais Jorge. E pronto, temos documento forjado, sociedade confundida, caso encerrado, argumenta o Ministério de Maria Luís. 'Vocês é que são todos uns mentirosos, nós somos honrados. Tremendamente honrados'. Nós somos uns desonrados.


Desonrados somos de facto por tolerarmos tamanhas bestialidades executivas. Por tolerarmos tamanho descaramento, tamanha lata, tamanha falta de vergonha. Há um bando de tolinhos que nos gere, que nos administra, que nos acusa de termos gasto acima das nossas possibilidades, que nos humilha. Há uns tipos que além de estarem a deixar a economia em farrapos e a regredir o tecido social português, teimam em gozar connosco. Teimam em achar que seremos sempre pacientes, eternamente estúpidos. É que não lhes basta o desnorte ideológico e a pura incompetência, são ainda dotados duma surpreendente petulância. E arrastam-se, rebolam-se na sua decadência. Gostam de brincar aos governinhos. Uma corja, uma forja. Que nos forjou nos últimos anos. Isto não é um governo, é apenas uma tragicomédia. A nossa, infelizmente.

 


«As circunstâncias são o dilema sempre novo, ante o qual temos de nos decidir. Mas quem decide é o nosso carácter.»
- Ortega y Gasset

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