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365 forte

Sem antídoto conhecido.

Sem antídoto conhecido.

02
Mai18

Alta Velocidade, perdão, Altas Prestações

Frederico Francisco

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A polémica da passada semana sobre a suposta construção de uma linha de alta velocidade, perdão, de altas prestações entre Évora e Mérida mostra bem a irracionalidade da discussão sobre o investimento em infraestruturas ferroviárias (e não só) em Portugal.

 

A coreografia já não é novidade. Começa com uma menção com origem em Bruxelas a um qualquer projecto de alta velocidade ferroviária em Portugal. De seguida, há um título num qualquer jornal, habitualmente em tom hostil, denunciando o facto de o governo estar a avançar com o “TGV”, sigla maldita por este canto da Europa. Termina, poucas horas depois, com um esclarecimento vindo do ministério do planeamento negando tratar-se de uma linha de alta velocidade, mas antes de “altas prestações para mercadorias”.

 

No caso concreto da nova linha Évora – Elvas, cujos concursos públicos já estão em andamento, e que tem sido o motivo destas polémicas, uma consulta aos elementos do projecto publicamente disponíveis revela que se trata de uma linha de comboio em via dupla com uma velocidade de projecto de 250 km/h. Numa primeira fase, a linha será construída em via única e em bitola ibérica, mas os trabalhos de construção civil deixá-la-ão preparada para a duplicação e transição para a bitola europeia. Também ficamos a saber que o projecto foi feito tendo em conta que esta linha fará parte da futura linha de alta velocidade Lisboa – Madrid e de forma a não comprometer um tempo de viagem inferior a 3 horas. Importa acrescentar que uma linha feita para tráfego exclusivo de mercadorias, como se insinua ser o caso desta, não teria uma velocidade de projecto de 250 km/h, já que estes comboios circulam, no máximo, a 120 km/h.

 

A definição de alta velocidade ferroviária na UE é dada pela directiva 96/48/EC e inclui linhas novas para velocidades iguais ou superiores a 250 km/h e linhas existentes modernizadas para velocidades iguais ou superiores a 200 km/h. Ora, não só a nova linha Évora – Elvas é, inequivocamente, uma linha de alta velocidade, como também o são os troços modernizados da linha do Norte ou a linha entre Casa Branca e Évora.

 

A directiva 96/48/EC estabelece critérios semelhantes para o material circulante, pelo que o Alfa Pendular é, para todos os efeitos, um serviço de alta velocidade. O facto de, neste momento, o transporte aéreo ser o seu principal concorrente no eixo Lisboa – Porto é sintoma disso mesmo.

 

O que está em causa é apenas uma questão semântica, a “alta velocidade” e as “altas prestações” ou “alto desempenho” são uma e a mesma coisa. O facto de circularem mais ou menos comboios de passageiros ou de mercadorias é irrelevante. Não será a primeira linha de alta velocidade para tráfego misto.

 

O que não deixa de me causar perplexidade é que o comboio de alta velocidade mantenha no espaço público português um estatuto pecaminoso, como se tratasse de algo que nos está vedado sequer considerar. Com a, para mim, surpreendente  resiliência deste “tabu”, continua a perder a racionalidade e a inteligência do debate sobre investimento público em infraestruturas em Portugal.

09
Dez16

Dinossauros com Penas: O imaginário, a ciência e a era pós-facto

Frederico Francisco

A descoberta de um fragmento da cauda de um dinossauro não-aviano preservado em âmbar é um evento científico daqueles que acontece uma vez numa década. Nada melhor do que um banho de ciência para nos refrescar da tão proclamada "era pós-verdade" ou "pós-facto". Qualquer de seja a designação, estranho muito a complacência que normalmente acompanha algumas das constatações do advir desta nova era, qual inevitável e inexorável. A associação de temas não é óbvia, mas dêem-me o benefício da dúvida.

Em primeiro lugar, permitam-me explicar porque falo em "dinossauros não-avianos" e não apenas em "dinossauros". Existe hoje um consenso, assente no registo fóssil, de que as aves evoluíram dentro dos Theropoda, grupo de dinossauros que inclui o T-rex e os Velociraptors, celebrizados nos filmes da série Jurassic Park. Desta forma, as aves são, em rigor, dinossauros, daí a distinção entre "dinossauros não-avianos", aqueles que nos habituamos a ver como "dinossauros", e "dinossauros avianos", as aves.

Sobre os dinossauros não-avianos, o nosso imaginário foi construído desde os livros infantis até ao cinema com uma representação destes como criaturas semelhantes a répteis, cobertos de escamas, de sangue frio. As ilustrações que encontramos habitualmente reforçam essa associação na escolha das cores e padrões de cores construídos por analogia aos de crocodilos ou lagartos. A verdade é que, até agora, ninguém fazia a menor ideia de qual era a cor dos dinossauros cujos fósseis podemos encontrar nos museus de história natural.

Quando em 1993 estreou o filme Jurassic Park, ele apresentava aos espectadores uma visão crível e aterradora do que seriam as criaturas que habitavam o planeta até há cerca de 65 milhões de anos. Para além do feito técnico que foi à época, a produção do filme esforçou-se por usar os mais recentes dados científicos disponíveis para ter a melhor aproximação possível da aparência e comportamentos daqueles animais pre-históricos. Tanto mais que, nas duas primeiras sequelas do filme, datadas de 1997 e 2001, há diferenças na aparência de algumas espécies, que acompanham a evolução do conhecimento sobre elas.

Na década seguinte, tornar-se-ia evidente que muitas das espécies de dinossauros não avianos que vimos nos filmes e nos livros infantis e juvenis estavam, na realidade, cobertos de penas, em particular, os famosos T-rex e Velociraptors, reforçando o elo evolutivo com as aves modernas. 

Ora, chegados a 2013 e com esse dado já bastante conhecido e divulgado, há uma nova sequela de Jurassic Park, desta feira, o filme Jurassic World. Apesar da evidente evolução das técnicas e meios ao dispor das equipas de efeitos especiais, permitindo um realismo muito maior, a produção, desta vez, decidiu não acompanhar o progresso feito no conhecimento sobre a aparência dos animais extintos que surgem no filme. Foi uma escolha deliberada de apresentar ao público uma aparência familiar, que não fosse contra as suas expectativas, formadas no imaginário pelos livros e filmes anteriores, de como se parece um "dinossauro".

Naturalmente, trata-se de uma escolha criativa legítima, mas, além de uma oportunidade perdida de divulgação de conhecimento, interpreto-a retrospectivamente como mais um sinal de uma tendência que ignora os factos e reforça as ideias pré-existentes. Isto leva-me a questionar de enviesamento para a confirmação que hoje prevalece tem origem nas redes sociais, como muitos assumem, se estas são apenas mais um sintoma de um movimento cultural que desvaloriza o conhecimento.

A descoberta do fragmento do dinossauro com penas é, de facto, extraordinária. Para além de confirmar para lá de qualquer dúvida a existência de plumagem no dinossauros não-avianos do grupo Theropoda, é a primeira vez que se tem acesso a material original que fez parte de um indivíduo vivo, por oposição a impressões em rochas ou fósseis.

Isto deu-me o pretexto, não só para fazer um pouco de divulgação de ciência, mas de abordar um tema cuja amplitude ainda não é clara para mim. A atitude anti-intelectual, anti-ciência ou, se não "anti", pelo menos "indiferente a", tem ramificações no crescimento das ditas medicinas alternativas, nos negacionistas dos aquecimento global, nos "anti-vaxers" e na propagação de notícias falsas. Vou ficando convencido que estas várias vertentes fazem parte de um mesmo fenómeno de fundo contra o qual não pode haver a mínima hesitação, sob pena de nos deixarmos levar para o obscurantismo.

 

 

29
Set16

Paciência ao Metro

Frederico Francisco

Na passada quarta-feira, perto das 19h, cheguei ao Cais do Sodré num comboio da Linha de Cascais e, como habitualmente, desci até à estação de Metro para fazer o trajecto da linha Verde até Arroios. Ao atravessar as barreiras de controlo de bilhetes, deparo-me com a plataforma apinhada e com pessoas já paradas nas escadas de acesso, sem espaço para avançar mais (na realidade, apenas a primeira metade do comprimento da plataforma estava cheia, que corresponde ao comprimento dos comboios de 3 carruagens que circulam na linha Verde). Decidi que não valia a pena colocar-me ali, aceitei o facto de que não iria no primeiro comboio que chegasse à estação e fui dar a volta para entrar na outra extremidade da plataforma. No primeiro comboio que passou, entrou a maior parte das pessoas que estavam na plataforma, que se voltou a encher de imediato com as que já se tinham acumulado nas escadas e no átrio. Imaginei que o comboio seguinte demorava pouco tempo, uma vez que se tratava de hora-de-ponta num dia de semana de Setembro. Passados 6 minutos lá apareceu outro comboio que se volta a encher ao ponto do ficarem pessoas coladas aos vidros das portas. No trajecto que fiz não houve uma paragem em que não ficassem passageiros apeados sem espaço para entrar no comboio.

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A história desta viagem de Metro começa em 2011 com a redução das frequências, redução do comprimentos dos comboios na linha Verde de 4 para 3 carruagens, paragem das obras de aumento das plataformas na estação do Areeiro, adiamento de obras da mesma natureza na estação de Arroios.

Lembro-me, por essa altura, de ver o ministro Álvaro a declarar com ar de quem estava a revelar uma verdade incenveciente que o Metro de Lisboa tinha taxas de ocupação de apenas 40%, insinuando que isso justificava uma redução da oferta e revelando a sua profunda ignorância em matéria de transportes públicos.

Houve também a redução de velocidade de circulação para 40 km/h, na altura apelidada de "marcha económica", por coincidência, ocorrendo ao mesmo tempo que se soube que um dos sistemas de frenagem dos comboios se encontrava desactivado.

Com a tomada de posse do novo governo, criei a expectativa de que, a par com a inversão da política de austeridade houvesse também uma inversão da trajectória na política de transportes públicos. Veio o fim do processo de subconcessão, a nomeação de uma nova administração liderada por Tiago Farias, pessoa por quem tenho bastante respeito técnico e intelectual em matéria de transportes, e a ambição de retomar a expansão da rede dentro de um par de anos.

A esperança de que algures, nos gabinetes, a engrenagem já estava a mexer tranquilizou-me, apesar de não se notarem melhorias concretas, mas estas coisas demoram tempo, não é? Inaugurou-se a obra da Reboleira, mas o Areeiro continua parado. Deve ser a seguir. Depois veio o verão de 2016, a cidade encheu-se de turistas e, por falta de maquinistas, de comboios ou de ambos, passou a ser habitual esperar 10 minutos ou mais pelo comboio seguinte em pleno dia. Comboio esse que, quando chegava, vinha quase invariavelmente cheio.

Confesso que, ao fim de quase um ano, estou a ficar muito impaciente com a ausência de sinais de uma inversão do rumo de degradação do serviço que o Metro presta aos seus passageiros. Bem sei que os problemas não se resolvem todos de imediato, mas a ausência de uma assunção e enunciação clara dos problemas, que são certamente do conhecimento da administração e do governo, bem como de propostas e prazos para soluções só aumenta a minha impaciência. Na verdade, tem havido uma tendência para simplesmente atirar a responsabilidade para "os anos de desinvestimento do anterior governo". A tese da pesada herança, ainda que possa ser verdadeira, tem as suas limitações, que residem no momento em que passa a parecer desculpa para tudo.

A mais recente situação da falta de bilhetes é um remate caricatural das agruras que os utilizadores do Metro de Lisboa passam há já, pelo menos, 5 anos. Tudo isto me irrita ainda mais porque me obriga a concordar com João Miguel Tavares na substância, ainda que não no estilo.

17
Jun16

O lento recuo da decência (II)

Frederico Francisco

Foi com choque e incredulidade que vi as notícias da morte da deputada trabalhista britânica Jo Cox ontem à tarde, alvejada e esfaqueda de forma brutal durante uma reunião com eleitores do círculo por onde tinha sido eleita.

Nestas alturas, a prática das democracias costuma ditar que não se façam leituras ou aproveitamentos políticos de acontecimentos trágicos, como o é a morte de uma pessoa. No entanto, não acho que tal separação seja possível neste caso.

Estamos a falar de uma política eleita que foi morta enquanto fazia trabalho político durante uma campanha eleitoral por um homem que clamou "Britain First", o nome de um partido político de extrema-direita. Desta forma, lamento, mas não sou capaz de dissociar esta morte da campanha para o referendo sobre a permanência do Reuno Unido na União Europeia e todo o ambiente político que o rodeia.

A existência de um movimento euro-céptico relevante no Reino Unido não é uma novidade, tal como não o é a sua importância no partido conservador. Foi, aliás, em parte, essa facção do partido de David Cameron que o chantageou a incluir a promessa deste referendo no manifesto eleitoral de 2015. O outro progenitor do refrendo é, obviamente o UKIP, partido que, além de euro-céptico, faz parte importante do seu discurso numa plataforma anti-imigração.

Não coloco em causa o direito e a legitimidade de se realizar um referendo sobre este assunto. Na realidade, defendo que os povos da Europa não deviam ter sido ignorados com tanta frequência no processo de construção da União Europeia. Mas este referendo, que podia ser sobre os objectivos, o funcionamento, a reforma ou o papel do Reino Unidoda na União Europeia, tem, na realidade, um tema quase único: o controlo das fronteiras e a imigração.

Mesmo para quem não tenha andado atento aos debates, basta olhar para o novo e repugnante cartaz do UKIP, apresentado com orgulho por Nigel Farage, para perceber que a xenofobia, a aversão à diversidade e o racismo estão no centro do debate sobre o "Brexit".

A morte de Jo Cox não pode ser dissociada do ódio que cresce e se respira no ambiente político britânico neste momento. As pessoas que ajudam a espalhar sentimentos que desvalorizam a vida do próximo não os podem ser desresponsabilizadas das consequências do ódio que ajudam a propagar, mesmo quando nelas não têm acção directa.

Os valores a que alguns gostam de chamar "valores europeus", democracia, tolerância, humanismo, solidariedade, estão a recuar em várias frentes e, infelizemnte, este não será o último episódio desta série. A pressão migratória e a crise de refugiados colocou esses valores, que tantos adoravam proclamar, à prova. A dura e triste realidade é que, para muita gente, se tratava a apenas de uma castelo que cartas de abstracções que ruiu face ao primeiro banho de realidade, criando o caldo perfeito para quem se quis aproveitar da incerteza e do medo.

Aqueles que, como eu, defendem a tolerância, a diversidade e a solidariedade precisam de ser muito mais firmes e ruidosos na defesa desses ideais, sob pena de serem constantemente abafados pelo discurso perigoso mas virulento que apela ao egoísmo e ao medo. Não podemos ser complacentes com os extremistas que, nestes dias, parecem ir brotando a cada esquina.

08
Mai16

Sobre a requalificação do Eixo Central de Lisboa

Frederico Francisco

A requalificação do Eixo Central de Lisboa tem estado presente na imprensa nacional ao longo dos últimos meses, com a cobertura das inúmeras sessões de discussão promovidas pela Câmara Municipal de Lisboa e outras entidase.

Sobre o projecto em si, basta dizer que se trata da requalificação da Av. da República e Av. Fontes Pereira de Melo, parte do Eixo Central de Lisboa, orientadas para uma melhoria do espaço público e das condições de mobilidade para peões e ciclistas em detrimento do espaço de circulação e estacionamento automóvel. Importa, também, dizer que esta obra, além de explicitamente referida, se enquadra nos princípios de política de mobilidade presentes no programa eleitoral votado por uma maioria dos munícipes na últimas eleições autárquicas.

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A Associação de Moradores das Avenidas Novas e o vereador João Gonçalves Pereira (CDS) mobilizaram-se na contestação ao plano, tendo como principal argumento a redução do número de lugares de estacionamento disponíveis na via pública. Mais do que nos argumentos em concreto, a contestação basei-se na ideia de que ter estacionamento gratuito no centro de Lisboa é um direito que se sobrepões ao direito à circulação conformtável a pé, à circulação de bicicleta, à fruição do espaço público, ou a um ar respirável. Estes princípios são precisamente os contrários daqueles que foram sufragados.

A verdade é que acabaram por conseguir o que reclemavam. O presidente da CML acabou por ceder e anunciar uma alteração ao projecto que aumenta o espaço de estacionamento à custa da eliminação de uma das ciclovias unidireccionais na Av. da República. Esta alteração foi de encontro directo à proposta do vereador João Gonçalves Pereira, como o próprio fez questão de assinalar após o anúncio. A CML compreteu-se, também, a fininciar avenças a preços reduzidos em parques de estacionamento privados para os moradores de uma das zonas mais valorizadas das cidade de Lisboa.

Ora, depois desta posição de compomisso de Fernando Medina que, a meu ver, foi longe demais nas cedências, esperar-se-ia que quaisquer motivos para constestação ficassem esvaziados. A realidade encarregou-se de mostrar que qualquer expectativa de razoabilidade do lado que que contesta este projecto se tratava de uma ilusão. Menos de uma semana após o início das obras, está já marcado um buzinão contra as obras, que contou com o apoio imediato do vereador do CDS na CML.

Fica claro para mim que fiz, ao longo deste debate, um juízo errado das motivações dos opositores a este projecto. Na minha inocência, sempre achei que fossem movidos pela vontade de manter os seus hábitos de mobilidade baseados na utilização do automóvel e no desejo de ter estacionamento gratuito à porta de casa.

Fica claro que o argumento da perda de estacionamento era apenas circunstancial e que a verdadeira motivo sempre foi e continua a ser de travar a obra a todo o custo.

Acusam Fernando Medina de ser eleitoralista por querer ter obras prontas antes das eleições. Quase sou levado a pensar que estas pessoas que contestam estas obras desta forma têm medo que as obras se façam e que os lisboetas descubram que as coisas ficaram melhores depois das obras e, eventualmente, recompensem eleitoralmente o executivo que as promoveu. Mas talvez isto seja a irritação e a minha mente conspiratória a falar...

27
Jan16

O lento recuo da decência

Frederico Francisco

A aprovação pelo parlamento dinamarquês de uma lei que permite o confisco de quaisquer bens de elevado valor que estejam na posse de refugiados é apenas mais uma numa já longa e triste série de machadadas nos "valores europeus". As aspas são ainda mais justificadas quando a expressão é usada desde há várias décadas como uma espécie de auto-elogio que os líderes da Europa fazem a si próprios. Se apenas alguns deles se conseguissem olhar ao espelho neste momento...

De acordo com a nova lei, a polícia terá poder para revistar qualquer pessoa que entre no país em busca de asilo e confiscar quaisquer bens de valor superior a 10000 coroas dinamarquesas (cerca de 1300€), desde que não tenham valor sentimental. A decisão sobre o valor sentimental dos bens caberá à própria polícia. Mesmo sem traçar os paralelos históricos óbvios, a aprovação desta lei é uma afronta aos direitos humanos e aos tão proclamados "valores europeus" que, aparentemente, para alguns, deixaram de incluir a compaixão, a solidariedade e a decência.

Esta lei foi aprovada pelos partidos que apoiam o actual governo de centro-direita, incluindo o Dansk Folkeparti, partido nacionalista e anti-imigração, mas também pelos sociais-democratas. A medida agora tomada pelo estado dinamarquês não é original, tendo sido antecedida pelo confisco de bens a refugiados levado já a cabo pelas autoridades suiças.

Como europeu e como europeísta, cresce em mim um desconforto com esta Europa. Os tais "valores europeus" têm de ter um sentido concreto e de incluir o mais básico respeito pela dignidade de todas as pessoas, nacionais ou estrangeiras. Infelizmente, nos dias que correm, estes são demasiadas vezes usados como um chavão desprovido de significado ou, pior ainda, como um apelo à conformidade perante regras impostas de forma quasi-autoritária.

26
Out15

Relações Especiais

Frederico Francisco

António Barreto, no último parágrafo do seu artigo de ontem no DN:

O PS deixou de ser um obstáculo à chegada dos comunistas ao poder. O PCP deixou de considerar o PS como um adversário. O PS não resistiu à campanha de desgaste levada a cabo pelo Bloco. O PS deixou de ter relações especiais com os grupos económicos portugueses e multinacionais. O poder económico e financeiro deixou de acreditar no PS. E o PS, com as mãos a arder, vai virar-se para a política e deixar a economia...

Bem sei que está retirado do contexto, mas convido-vos a ler o resto do artigo para verificarem se ficam, como eu, com a sensação de que António Barreto está a lamentar a quebra das "relações especiais" entre o PS e o poder económico e financeiro e o fim da barreira entre "os comunistas" e o poder.

23
Out15

Não me falem no "Arco da Governação", estou mais interessado no "Arco Anti-Austeridade"

Frederico Francisco

Aqueles que se opõem a uma coligação de esquerda têm usado com muita frequência o chavão do "Arco da Governação", com Paulo Portas a introduzir hoje de manhã o equivalente "Arco Europeu". O conceito é simples e bem conhecido: apenas PS, PSD e CDS podem aceder à governação por não questionarem a presença de Portugal na UE, no Euro, na NATO. São, pelo menos, estes os termos em que tem sido colocado nestes dias.

Este discurso falha em perceber que existe, neste momento, uma clivagem política mais importante em Portugal: ser favorável ou contrário à austeridade. Era isso que estava fundamentalmente em jogo nas eleições, pelo que proponho a introdução de dois novos arcos na discussão política portuguesa: o "Arco da Austeridade" e o "Arco Anti-Austeridade".

Por muitas que sejam as diferenças entre PS, PCP e BE, todos são favoráveis à reversão o mais rápida possível da austeridade, todos denunciam os efeitos nefastos que teve em Portugal e nos portugueses e todos estão contra o actual consenso europeu que dita a prossecução continuada destas políticas. Este é o programa mínimo que está na base da convergência à esquerda.

Por outro lado, o "Arco da Austeridade", do qual fazem parte PSD e CDS, ainda que nos tente convencer agora que também querem a reversão da austeridade e que esta foi um mal necessário que na realidade não desejavam aplicar, não podem apagar as dezenas ou centenas de discursos desde, pelo menos, 2011 onde a austeriidade era uma espécie de redenção tranformadora que não só era necessária como positiva. Todos nos lembramos do "ir além da Troika". É pena que a amnésia ajude a esbater estas clivagens tão rapidamente.

Contudo, Cavaco Silva pode ter ontem dado um enorme contributo para que a separação entre o "Arco da Austeridade" e o "Arco Anti-Austeridade" se torne mais clara. Ao atacar de forma tão dura os partidos mais à esquerda e ao apelar às divisões no PS conseguiu em simultâneo grantir a unidade do PS e deste com o resto da esquerda. Cavaco Silva pode ter dado o contributo que faltava para um novo tipo de bipolarização.

10
Set15

Como temos a certeza que o debate correu bem a Costa

Frederico Francisco

As análises dos comentadores da direita mais próximos do actual governo sobre o debate de ontem são todas muito parecidas entre si: desvalorizar o debate, dizer que não foi interessante e foi aborrecido, dizer que Costa esteve mais "agressivo", dizer onde Passos Coelho podia ter dito isto ou aquilo para ganhar vantagem, dizer que não serviu para nada e não influencia nada...

Neste caso, as análises dizem mais sobre os analistas do que sobre o objecto da análise.

25
Jun15

O ponto de não retorno

Frederico Francisco

Quando leio sobre alguns momentos decisivos da história, tento sempre imaginar como os contemporâneos estariam a ver e a viver os acontecimentos. Falo, não dos protagonistas, mas das pessoas comuns, dos espectadores, daqueles cuja capacidade de influenciar os acontecimentos é muito limitada ou nula.

Em quase todos os casos que conheço, o público só se apercebe dos acontecimentos decisivos quando estas já são factos consumados, sem possibilidade de retorno ou remédio. Existe um momento em que o desfecho se torna inevitável, mas em que a coreografia continua como se tudo estivesse ainda em aberto.

Tenho tido nos últimos dias a sensação de estar a viver um desses momentos. Espero estar enganado, mas iremos todos descobrir em breve...

«As circunstâncias são o dilema sempre novo, ante o qual temos de nos decidir. Mas quem decide é o nosso carácter.»
- Ortega y Gasset

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