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Sem antídoto conhecido.

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10
Jan17

Mário Soares , um legado em impressões

Diogo Moreira
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Liberdade


Já muito foi dito sobre a vida e legado de Mário Soares. Como ele é justamente considerado o pai da democracia portuguesa e o maior impulsionador da europeização de Portugal. A segunda metade do século XX português, e o Portugal do século XXI é incompreensível sem a figura de Mário Soares. E a Liberdade, essa utopia última de todos os verdadeiros democratas, cujos contornos concretos são alvo de debate feroz em todas as democracias, foi em grande medida o resultado da acção política de Mário Soares. E a sua maior força motriz. Mário Soares amava a Liberdade, lutou por ela, triunfou com ela, e deixou-nos o seu legado.



Em Liberdade, pela Liberdade, se levantam as vozes que o criticam. Quanto mais insultuosas, mais degeneradas, ou simplesmente loucas, são as acusações que se fazem à vida e actos de Mário Soares, mais acredito que ele sorrirá. Porque isso é a Liberdade que Mário Soares nos deixou. O respeito já não é imposto. Já não é obrigação. Em Liberdade podemos insultar tudo e todos. Podemos ser insultados. E o debate pode deixar de ser racional para passar a ser apenas emocional, fruto dos nossos preconceitos, da nossa ignorância. A Liberdade é a casa da ignorância, como também é a do conhecimento. Porque em Liberdade tudo é possível. Para o bem e para o mal. Isso era algo que Mario Soares compreendia como ninguém. É inútil guardar rancores, tudo pode mudar, porque temos a Liberdade de mudar. Mário Soares foi livre até ao fim. Porque a verdadeira Liberdade está dentro de nós, está nos nossos actos e nas nossas inacções. Está nos nossos pensamentos e decisões. E este é um dos legados de Mário Soares. Não interessa o que pensam os outros. Não interessa se estamos contra a maioria. A nossa Liberdade é termos a coragem de fazer o que queremos, sabendo que acarretaremos com as consequências, boas e más, que dai advirão. Foi isto que Mário Soares sempre fez.



Coragem


Mário Soares foi um homem de enorme coragem política e física. Como muitos já disseram, ele poderia ter tido uma vida desafogada no Portugal do Estado Novo. Bastava ter, como tantos fizeram, fechado os olhos ao sofrimento e desgraças do Salazarismo. À sua ausência de liberdade, ao reprimir das mais básicas necessidades de qualquer ser humano, seja através de privações de liberdade, de privações materiais, ou na impossibilidade de os portugueses serem tidos e achados no seu próprio destino colectivo.



Muitos fizeram isso na cumplicidade de se manterem na órbita do poder da ditadura, ou por simples necessidade de manterem os seus rendimentos. Lutar pela democracia nos tempos da “Outra Senhora” podia custar a vida, a liberdade, o exílio e a penúria. Destas agruras Mário Soares, felizmente para todos nós, só não conheceu a primeira. Ele sempre esteve na luta contra o regime, mesmo quando nada fazia prever que ele cairia. Outros só mudaram de campo quando os ventos da História já demonstravam que o regime não iria sobreviver. E outros ainda, só mudaram de campo quando o comboio da Liberdade estava a chegar a Portugal.



Essa parte da História já está enterrada, é inútil para o contexto político actual, mas convém sempre recordar aqueles cuja coragem foi sempre maior que a do resto de nós. Pois esses são mesmo os maiores de todos nós.



A coragem de Mário Soares não se diminuiu depois do 25 de Abril. No “Verão Quente” de 75, ele foi essencial para lutar contra todos aqueles que queriam um regime diferente da democracia pluralista, europeia e liberal, com economia de mercado, que temos hoje em dia. Contra os conselhos daqueles que achavam que o Partido Comunista era a força política dominante em Portugal, Mário Soares teve a coragem de agir com a sua intuição. Percebendo que não era certo que o PCP estivesse predestinado a governar o país, Mário Soares encetou uma verdadeira campanha política, social e cultural, que com muitos aliados, e muitos adversários, em todos os quadrantes da vida do país, em especial nas Forças Armadas, que resultaria no país livre, democrático, pluralista e de economia de mercado, inserido na União Europeia, que temos. E para isso, foi preciso uma enorme coragem.



A coragem de Mário Soares também se mediu em plena democracia. Contra a vontade de muitos do seu partido, do qual era fundador e figura maior, em vários ocasiões discordou do rumo do seu partido, tendo inclusive auto-suspendido a sua liderança por causa da decisão do PS apoiar a recandidatura de Eanes à Presidência da República. Mas a maior aposta, bem-sucedida diga-se, de Soares em democracia foi a sua candidatura à Presidência da República em 1986. Tendo por uma unha negra evitado a vitória de Freitas de Amaral à primeira volta, veria a ganhar a segunda volta, tornado-se assim o primeiro Presidente da República civil do pós-25 de Abril. Aqui também se revelou a coragem de Soares em combater politicamente uma pessoa que ele considerava como um irmão, Salgado Zenha.



Em 1999, Mário Soares foi o cabeça-de-lista do PS às eleições do Parlamento Europeu, apenas três anos após ter terminado os seus dez anos de Presidente da República. Foi a sua tentativa de alcançar a presidência do Parlamento Europeu, mas que infelizmente fracassou. Em 2006 teve o nadir da sua carreira política, tendo concorrido outra vez à Presidência da República numa tentativa fracassada de evitar que Cavaco Silva fosse eleito. Em ambos estes casos, foi necessário uma grande quantidade de coragem política, Mário Soares já tinha sido o titular dos mais altos cargos da nação. Já não precisava de provar nada a ninguém, poderia ter gozado alegremente o seu idílio de “senador” da República. Mas a sua coragem, o seu sentido de dever, não o permitiram. Ele sabia que eram dois objectivos muito difíceis de ganhar, mas o seu espírito não se deixou vergar pelas dificuldades. Mário Soares foi um “Leão” da política. E apenas as derrotas finais o poderiam travar. Isto é o verdadeiro significado da coragem. Lutar, mesmo quando sabemos que o mais provável é perder a luta. Mesmo que seja a última luta, mesmo que possa arrebentar a nossa reputação, sobretudo nas mentes de quem não o conhece na plenitude. Morrer politicamente a lutar por causas em que fracassamos é a antítese da política contemporânea. Mas ao contrário do que muitos dizem, Mário Soares não foi um grande político. Mário Soares foi um Grande Homem, que era um político.



Estar certo antes do tempo


Muito se têm falado sobre os dois grandes erros de Mário Soares no pós-Presidência da República. O ter-se candidatado às eleições europeias de 1999, para tentar ser Presidente do Parlamento Europeu, e a candidatura à Presidência da República em 2006, contra Cavaco Silva. Terminam-se muitos dos comentários políticos à vida de Mário Soares com estes dois eventos, como se eles reduzissem o brilho da sua longa acção política. Como se fossem os actos de uma personalidade já não completamente no uso completo das suas faculdades mentais. A meu ver, essas visões não poderiam estar mais erradas. Comecemos pelo Parlamento Europeu.



É sempre um exercício ingrato fazer história contra-factual, mas é minha convicção que caso Mário Soares tivesse sido eleito Presidente do Parlamento Europeu, ele teria sido um factor muito importante para vitalizar o papel desse órgão, face a uma eurocracia que alegremente continua a levar a Europa para a sua própria desintegração. A Presidentes da Comissão Europeia que foram autênticas nódoas, basta lembrar-nos de Durão Barroso e Juncker, ou de Presidentes do Conselho Europeu que parecem ser escolhidos de propósito para serem não-entidades como Rompuy ou Tusk, poderíamos ter na Presidência do Parlamento Europeu um verdadeiro estadista europeísta, no bom sentido da palavra, algo que em parte só Martin Schulz conseguiu ser.



Mário Soares foi derrotado no seu objectivo de ser actor na UE, mas os seus instintos estavam certos. E no mínimo, poderíamos ter evitado a verdadeira tragédia nacional que foi a eleição de Durão Barroso para a Comissão Europeia.



Nas presidenciais em 2006, Mário Soares deparou-se com uma tarefa quase impossível. Ele temia que a eleição de Cavaco Silva como Presidente da República iria ter efeitos devastadores para o país, mas ninguém parecia estar em condições de o travar, como aliás se viu nas eleições de 2011. A única dúvida razoável era se Mário Soares deveria ter apoiado Manuel Alegre como candidato do PS, mas no contexto político da altura era muito difícil que isso acontecesse. E Mário Soares não virou a cara à luta. O resto já sabemos. A presidência de Cavaco Silva é uma história que ainda está para se contar, mas é inegável o papel activo que ele teve no derrube do último governo socialista de José Sócrates, forçando assim o resgate europeu às nossas finanças públicas, assim como foi um parceiro activo com Passos Coelho nos “Anos de Chumbo”, na célebre analogia de Paz Ferreira, que tantas desgraças causaram no Portugal recente. Cavaco Silva foi o pior Presidente da República Portuguesa do pós-25 de Abril, e Mário Soares sabia que o iria ser, como aliás muitos também sabiam. Mas poucos tiveram a coragem de lutar contra ele em 2006. Coragem nunca faltou a Mário Soares.



Mário Soares é o homem a quem os portugueses mais devem por viverem em liberdade e democracia, num país desenvolvido e europeu. Muitos não o reconhecerão, e isso é o seu direito democrático. Mas para aqueles que o reconhecem, como eu, apenas posso agradecer, no fundo do meu coração, por tudo aquilo que fez pelo nosso país e por todos nós.



As minhas sentidas condolências à sua família e amigos.



Que descanse em Paz.

«As circunstâncias são o dilema sempre novo, ante o qual temos de nos decidir. Mas quem decide é o nosso carácter.»
- Ortega y Gasset

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