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365 forte

Sem antídoto conhecido.

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02
Dez15

Carta aberta aos meus amigos do PSD

João Gaspar

 

Carta aberta aos meus amigos do PSD

 

Queridos amigos e queridas amigas,

espero sinceramente que a presente missiva vos encontre de boa saúde e em grande forma. Temo, no entanto, que não seja esse o caso. Os sinais são alarmantes e têm aqui um amigo genuinamente preocupado convosco. Caso não tenham reparado, têm um grupo de loucos a dirigir o vosso partido. Não quero que leiam nestas palavras nenhuma forma de ingerência na vida interna da vossa agremiação política. Muito menos qualquer tipo de condescendência para com a vossa capacidade de gerir livre e sabiamente os vossos destinos políticos. Vocês conhecem-me e sabem que sou um idiota condescendente. Mas, neste caso, trata-se mesmo de preocupação genuína.


O grupo de loucos com sede de poder que tomou de assalto primeiro a liderança do vosso partido e depois o governo do país, viveu durante quatro anos embriagado pelo poder (executivo, legislativo, financeiro). Foi festa rija, à boleia de um grupo de bêbedos que julgou estar a viver o sonho húmido do Sá Carneiro. Uma maioria, um governo, um presidente. Uma bela merda. Um pesadelo. Enterraram a social-democracia que, sem razão aparente, resiste na sigla do vosso partido, à laia de fachada, qual neon luminoso à porta de um enclave tenebroso.

 

Agora que perdeu o governo do país, o PSD parece ter perdido a cabeça. E é esta a principal razão por que vos escrevo. Sem a bóia do poder governativo, o vosso partido parece nadar fora de pé, à deriva. Para não me alongar em demasia (sei que vocês são pessoas ocupadas), elenco apenas alguns dos principais sintomas.


(1) Depois de quatro anos a empobrecer o país, o vosso partido fez uma campanha baseada em mentiras e manipulações das estatísticas oficiais do Estado, dos quais o embuste da sobretaxa de IRS é só o mais visível.

(2) Uma vez perdido o apoio parlamentar maioritário, e percebendo que havia reais possibilidades de um governo de esquerda, a estratégia do PSD foi a seguinte:
a) o PS, cujo programa nos conduzirá à bancarrota, pode incluir medidas do seu programa no programa de governo desde que o PSD forme governo;
b) o PS, ao não querer viabilizar o nosso governo, conduzirá o país ao caos e à bancarrota;
c) pode ser que alguns deputados do PS votem pela viabilização de um governo do PSD;
d) um governo do PS com o apoio da maioria de deputados na Assembleia da República é um golpe de Estado, inconstitucional, ilegítimo. Este ponto é especialmente importante para o diagnóstico, uma vez que, quem bradou que um governo do PS era um golpe de Estado inconstitucional sabe - perfeitamente - que isso é mentira. E, se não sabe, ainda é mais grave.
e) cuidado, vêm aí os comunistas.

(3) Quando a estratégia exposta em (2) falhou, após a queda previsível do governo-iogurte, o PSD avisa, garante, promete, que não votará a favor de nenhuma medida do governo PS. Com a maior das leviandades, os loucos que dirigem o vosso partido garantem-nos que, enquanto deputados eleitos pelo povo, votarão, se necessário for, contra as próprias convicções. Só para «não dar a mão ao PS», estão dispostos a votar contra tudo aquilo em que, deduzo, vocês acreditam e lhes confiaram no voto.

(4) Após o debate do programa do XXI Governo Constitucional na Assembleia da República o PSD e o CDS farão votar uma moção de rejeição, mais inútil do que sauna no deserto. Não por ser uma moção derrotada à partida (há amiúde honra nos derrotados à partida), mas porque porá em evidência a fragilidade, quando não o ridículo, do discurso sobre a suposta ilegitimidade do governo. E, acima de tudo, porque é uma moção de se chumba a si própria. Mais do que os argumentos dos partidos da esquerda, a resposta à moção de rejeição será dada pelo resultado da própria votação. 123-107. Está explicada a (i)legitimidade do XXI Governo Constitucional.

 

(Ex)posto isto, e porque sei que vocês são melhores do que este grupo de loucos que dirige o vosso partido, porque conheço as vossas convicções e intenções, porque um partido verdadeiramente social democrata é essencial à vida política ao Portugal contemporâneo, porque este PSD dos últimos anos é uma deriva neoliberalóide que parece dar-se melhor com os mercados do que com o regular funcionamento das instituições democrática e porque uma boa oposição é fundamental para que um bom governo governe melhor e para que o sistema de democracia representativa seja devidamente valorizado, é com enorme estima e amizade, apesar das nossas inalienáveis diferenças políticas e ideológicas, que vos peço: façam qualquer coisa. Marquem um congresso, elejam uma nova direcção, telefonem ao Rui Rio, sei lá, façam qualquer coisa. Está um louco ao volante e não vos queria ver num acidente. Livrem-se dele enquanto é tempo. A última vez que vocês deixaram alguém deste calibre pegar no volante, a fingir não ter ideologia, sempre mais preocupado com a estatística e os mercados do que com a vida das pessoas, o carro era um Citröen, ia só fazer a rodagem à Figueira e ainda hoje estamos a sofrer com o sinistro. Vejam lá isso.

 

2 de Dezembro de 2015.

Sempre vosso,

João.

 

 

 

5 comentários

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    João Gaspar 02.12.2015


    Carlos,

    não considero ninguém ilegítimo (é mais ao contrário), muito menos escrevi, insinuei ou deixei entrever que a legitimidade tem a ver com a esquerda, a direita ou o volver. Lamento que tenha chegado à parte do Citröen sem ter percebido isso.

    Vão ser dois anos e tal desse discurso do «ganhámos as eleições, o governo do PS perdeu as eleições.» e pretendia precisamente ser esse o ponto do texto. O comentário do Carlos, ironicamente, prova o ponto. O PSD está de cabeça perdida, repetirá ad nauseum (ou até deixar de ser útil para consumo interno) o falso argumento de que de umas eleições legislativas resulta um governo vencedor e um vencido. É uma estratégia arriscada porque infrutífera e descredibilizadora. Mas vocês é que sabem. Eu é que não gosto de ver os meus amigos no meio deste acidente, só isso.

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    Carlos 02.12.2015

    Há quem repita ad nauseum que não se elegem primeiros ministros e que a maioria parlamentar cozinhada na bimbi é que decide quem governa.Neste momento até parece que quem governa são os dois partidos dos 10%, em especial o PCP,tal a quantidade de revogações que são apresentadas diariamente na assembleia,só lhes falta mesmo é revogarem a saida da "troika". Em breve vão acabar os foguetes e terá de se começar a governar, depois se verá o resultado das estratégias de cada um,esperando-se que seja daqui a 4 anos e não menos.Em todo o caso e com todas as ironias , não me parece que tenha sido a coligação a não aceitar os resultados das eleições e se por mero acaso algum dia o cenário se inverter PS ganhador de eleições e em separado PSD+CDS reunirem a maioria dos deputados veremos quantos dos de hoje tecerão elogios às virtudes da maioria parlamentar.
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    João Gaspar 02.12.2015


    Correndo o risco de o ad nausear, a verdade é que não se elegem primeiro-ministros, por muito que a praxis político-partidária o apregoe.
    A maioria parlamentar suporta o governo que lhe apetecer, que raio. Se um dia o PS (ou outro partido qualquer) tiver mais deputados mas não encontrar uma maioria parlamentar que lhe queira viabilizar o governo, o governo cai. Enquanto a lei não for alterada, manda sempre a Assembleia. Eu sei que parecem tempos excepcionais, porque nunca tinham acontecido antes. Mas a excepção não tem nada de extraordinário. Na verdade, é bastante simples.
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    Carlos 02.12.2015

    Não me ad nauseia de maneira nenhuma.Já ficamos a saber que a partir de 4 de Outubro de 2015 deixaram de se eleger primeiros ministros.Acho que percebeu o meu comentário,não está em causa se o governo cai ou não,ou a legitimidade do mesmo,está em causa sim, é ver a esquerda defender esse mesmo critério se a maioria for psd+cds,e posso afirmar sem grande receio de me enganar, que este é mais um dos critérios que só são válidos quando a esquerda reunir a maioria.
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