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365 forte

Sem antídoto conhecido.

Sem antídoto conhecido.

01
Fev13

PS - procurar entender

Rui Cerdeira Branco
Portugal

Há duas ou três semanas pareceu-me ter-se posto em marcha um movimento algo surpreendente de contestação ao líder do PS. Surpreendente não porque António José Seguro me pareça estar a ser um líder particularmente feliz e mobilizador interna e externamente mas porque não me apercebi do que esperaria ser um natural sinalizar em crescendo dos pontos de insatisfação que culminariam numa contestação aberta e frontal à liderança. O tempo e o modo não batiam certo com a prática pública recente, apesar de uma ou outra declaração de António Costa e, em particular, da acutilância essa sim, honra lhe seja feita, constante, de Augusto Santos Silva (ainda assim geralmente remetida para um canal por cabo com pouca visibilidade pública).

Notem que falo da perceção pública, não necessariamente da vivência interna que desconheço inteiramente. De fora, estranhava-se o tamanho da divergência ao nível da clarividência e grau de reflexão evidente e expressa na representação política do partido nos fora mediáticos quando esta era assumida por deputados mais identificados com a direção anterior e as generalidades e superficialidade veiculadas quando a representação do partido era assumida por alguém mais próximo da atual direção. Ou seja, havia indícios de desconexão, aparentemente pouco intercâmbio e alinhamento de teses e posições e, no final, uma incapacidade de encontrar uma narrativa consistente ainda que raramente pautada por contradições evidentes. Mas havia também nota de que os desentendimentos publicamente mais visíveis, com cerne na bancada parlamentar, eram geralmente acomodados pelo atual líder da bancada e havia até indicações de redução do atrito formal com um maior alinhamento entre a direção e a vontade da generalidade dos deputados habitualmente desavindos, em momento chave – recordo-me do envio, com o apoio da direção, do OE 2013 ao Tribunal Constitucional num alinhamento que não existira de todo em 2012.

Como disse, perante isto e fazendo o balanço do que era visível, a veemência e o clamor por uma mudança radical e urgente de direção que surgiu, pareceu, apesar de tudo, extemporânea, a que acresce algum pasmo por se ver como protagonistas na primeira linha da dissensão com fito de tomada do poder no PS, apenas militantes que representaram o partido nos últimos governos com elevadas responsabilidades.

Estão eles limitados enquanto militantes de se mobilizarem e mudarem o que acham estar mal? Obviamente, não estão. Estão eles limitados politicamente aos olhos da opinião pública e mesmo de boa parte dos eleitores do PS de virem a reassumir o programa político que os levou a comandar o partido e a governação do país até recentemente? Parece-me óbvio que sim. Quer porque não percorreram qualquer légua visível numa recriadora travessia do deserto -  por força de várias circunstâncias das quais apenas parcialmente são responsáveis -, quer porque o PS de ontem e de hoje se recusaram a procurar a sua nova estrada de Damasco.

 

Como perceber então?


Custa-me a acreditar que quem está a dinamizar uma clarificação – quem não está no poder – não tenha consciência das limitações próprias que acima abordei, pelo menos parcialmente... Não os tenho como políticos inexperientes e amadores. É claro que poder ou não contar com António Costa (que em devido tempo deixou a governação do país para cuidar da capital) poderia ser decisivo, mas mesmo assim, falta compreender...  

Haverá então razões muito fortes para que tenham procurado precipitar um conflito esclarecedor e, em bom rigor, não partem apenas de quem está mais colado à anterior direção. Recordo por exemplo um artigo recente de Paulo Pedroso que suporta as mesmas razões. E quais são? Têm na atual direção o que consideram ser uma das piores intérpretes para o cargo na história do PS, quer pela fragilidade da narrativa política, quer pelo que parece ser um clima de guerrilha interna e perseguição que grassa pelas estruturas internas à escala nacional e que, a ser verdade, tem escapado completamente à opinião pública. Sucedem-se, as acusações de estalinismo de aparelho, exacerbada desconfiança e ensimesmamento com ausência de promoção da cooperação interna, aliadas ao que consideram uma fraca prestação política externa e à pressão dos calendários eleitorais internos e nacionais. Tudo isto terá precipitado a mobilização e a confrontação.

Não sei até que ponto havia absoluta convicção no sucesso de tal empresa, contudo, face à evolução recente, digna de uma trama novelesca com intriga, mandato, traição e aparente vitória do superior interesse do partido (leia-se resultado eleitoral nas próximas eleições) hoje, quem pensava nos termos do parágrafo anterior deverá, ou estar a acomodar-se à situação, ou a mobilizar-se para marcar posição assumindo a confrontação e a diferença ainda que com marginais possibilidades de sucesso imediato. Isto porque tenho imensas dúvidas que os protagonistas do entendimento cordial que se estará a procurar desenhar, satisfaçam as intenções e menorizem as preocupações dos que se exaltaram.

Do lado da direção, invoca-se a deslealdade, talvez pela surpresa do esticar de corda a que aludi, e/ou por se reconhecer que está ainda em construção um projeto político global, havendo má-fé quando se confunde trabalho em curso com a acusação de vazio de ideias. Invoca-se a sede do poder perdido como móbil de quem quer disputar a liderança, apresenta-se o trabalho das bases e a abertura ao debate com participantes externos como principal repositório de inteligência, assumindo que será mais por aí do que pela reciclagem do passado que se construirá o novo programa do PS e se encontrarão novos protagonistas.

Lendo bem nas entrelinhas, há de facto indícios de cisão numa dimensão que não parece saudável. A ideia de purga, pode perfeitamente colher juntando as peças. Será assim? O militante ativo e informado o saberá. Olhando para tudo isto parece-me claro que a solução ideal, havendo matéria-prima para que existisse, é hoje uma impossibilidade no PS.

 

Qual seria a solução ideal?

Compreendendo e até participando do esforço de abertura ao exterior e participando ativamente na procura de novas e melhores propostas, não me faz sentido nenhum que se defenda começar do zero. O mesmo não sentido, aliás, que faz acusar a atual direção porque não adotou como um filho querido todo o passado. Antes ou em paralelo com abertura do partido para procurar um novo programa político o PS deveria, internamente, assumir a crítica construtiva daquilo que fez, olhando para o seu legado e para a expressão eleitoral a que foi sujeito. Bem como ao atual sentimento do povo face ao que teve, tem e quer ter. Refletir sobre o que são edifícios sólidos que deverão ser mantidos como políticas estruturais identitárias do PS e assumir o que são ruínas sobre as quais há que reconstruir uma opção política e uma forma de fazer política. Tanto trai o partido e os seus eleitores quem se recusa a reconhecer com humildade que não foi perfeito, recusando-se assim a mudar, como quem foge ao incómodo de liderar a reforma refugiando-se numa cisão regeneradora. Não creio que o PS precise de mudar tudo, nem possa querer repetir o passado. O passado serve para edificar uma identidade não para em torno dele se cristalizar um partido. Há experiências dessas quanto baste no espectro político nacional.

Da reflexão que escasseia surgiriam naturalmente as pontes que faltam para que alguns dos mais destacados protagonistas de ontem e os que hoje vão surgindo, encontrassem o respetivo espaço de representação pública e de defesa política do projeto do PS. Creio que ganharíamos todos, em particular o país.

 

Infelizmente, o que se vê e o que se perspetiva, passará completamente ao lado desta discussão, afinal há que mobilizar as tropas para a batalha eleitoral arriscando-se assim, um grande partido nacional a, mais uma vez, perder a oportunidade de olhar para si próprio e imaginar-se perante eleitores que se querem responsáveis, responsabilizados e inteligentes.

Ou será que o congresso pode servir para mais alguma coisa além de um eventual contar espingardas e cativação de representação em órgãos nacionais?

«As circunstâncias são o dilema sempre novo, ante o qual temos de nos decidir. Mas quem decide é o nosso carácter.»
- Ortega y Gasset

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